''Preferimos um reajuste anual com inflação baixa a um reajuste mensal com inflação alta.''

João Felício, presidente da CUT


Metas sem mitos

Visto a camisa do time de analistas que juram, por todos os juros, que o regime oficial de metas inflacionárias não fracassou nesta atribulada travessia de 2002. Assim como não negou fogo nas batalhas cambiais e nos tarifaços do triênio 1999/2001.

A meta gregoriana para 2002 era de 6,5%, com teto de até 9%. Pois o dragão voltou a ejetar chamas longas para fora da caverna, com o IPCA ensaiando fechar o ano acima de 12%. Com direito a um IGP-M na marca de 25%. Isso não é um fracasso?

Ocorre que sem aquele alvo preestabelecido, gerador de expectativas pactuadas entre os ''formadores de mercado'', o IPCA talvez já estivesse no ano acima de 20%, com IGPM ao redor de 35%.

Claro, não dá para fazer o retrato falado dessa hipótese. Mas, como sou daqueles que encaram a inflação brasileira menos como um fenômeno a ser tratado à luz da teoria monetária e mais sob a lupa da psicologia social (que permeia o processo econômico), a conclusão não pode ser outra: todas as iniciativas com poder de monitorar expectativas tendem a produzir resultados os mais próximos possíveis dos desejados no campo minado da estrutura de custos e de preços da economia.

A esse respeito, vale revisitar o psicólogo Daniel Khanneman, de Princeton. Ele nos ensina que o ''homo economicus'' no coletivo se comporta de modo bem menos previsível do que imaginam os modelos econômicos disponíveis. As pessoas têm informações de mercado assimétricas e avaliações de valor diferenciadas na vida.

Inseguras, sempre, elas preferem apegar-se, em bloco, a algum tipo de farol, de padrão ou de meta. Daniel Khanneman, doutor em psicologia, ganhou este ano o Prêmio Nobel de Economia.

Entre nós, em especial, a psicologia de mercado guarda lugar de honra a uma certa ''cultura inflacionista'' herdada de três décadas corridas de indexação sumária de preços e de contratos, reator da chamada inércia inflacionária. Ou seja: se todos os preços e contratos são corrigidos no presente pela inflação passada, a inflação futura jamais ficará abaixo da inflação passada. Pode até não subir mais, mas baixar que é bom, jamais. Lembram-se desse filme de horror?

Horror coisa nenhuma. Cruzo todo dia com uma penca de gente que tem algo mais que memória da indexação - tem saudade dela. É aí que mora o perigo de um IPCA de dois dígitos. O perigo da reinstalação voluntária, informal e festiva, do gatilho da reposição. Com seu disparo invariavelmente pela culatra.

Felizmente, o presidente da CUT, João Felício, acaba de soletrar na direção das bases ressabiadas: ''Preferimos um reajuste anual com inflação baixa a um reajuste mensal com inflação alta.'' Bingo!

Secos & Molhados

Pela metade

Reajustes mensais em regime de inflação elevada têm a perversa mania de neutralizar a inflação, realimentando o apetite da fera. O esquema assopra e morde. Ele garantiria a correção parcial dos salários em carteira, mas não evitaria a corrosão total dos sem-registro, já em maioria na informalidade do trabalho ou na precariedade do emprego.

Um horror

Foi o que se viu nos tempos de cólera do cruzeiro/cruzado/cruzeiro. Metade dos brasileiros vegetou 30 anos sem reposição no salário do subemprego, sem poupança corrigida em banco, sem patrimônio imobiliário dolarizado... E deu no que deu. No final do período (1965/94), o Brasil ostentava a taça de chumbo da renda social mais concentrada do mundo.


Pés no chão

Ora, se o regime de metas inflacionárias não segura tudo, mas protege muito, fiquemos casados com ele. Definitivamente. Que a discussão resvale, como já adernou, para a redefinição do índice-alvo e da extensão do período. Aqui, mais vale fixar metas factíveis que metas leoninas.

www.joelmirbeting.com.br
[email protected]