A primeira história que estou aqui para contar é a forma como o cérebro dos mamíferos se organizou para que pudéssemos sobreviver em um ambiente hostil, de forma a preservar nossa existência até os dias de hoje. Esse engenhoso aparato, que no ser humano atinge seu ápice de complexidade, é dotado em nós mamíferos do chamado Sistema Límbico, responsável pelas nossas reações automáticas, tão rápidas e tão previsíveis que sequer tomamos consciência delas. Ao identificar emoções como medo e raiva, esse sistema dispara uma resposta do organismo que nos prepara para fugir ou lutar, antes mesmo que nos tornemos conscientes delas.

Essa chamada reação de fuga-luta faz com que haja toda uma preparação do nosso corpo para sobrevivência ao perigo que ronda. O coração acelera, a pressão sobe, o sangue oxigena mais porque respiramos mais rápido e mais forte, as pupilas se dilatam para que enxerguemos melhor o ambiente, os músculos se contraem. Enfim, neste momento estamos prontos para a batalha.

A segunda história é a de um garoto que nasceu na década de 70. Cresceu jogando futebol na rua, andando de bicicleta e brincando de esconde-esconde. Esperava com empolgação o carteiro, que era o portador de novidades, quando as tinha. Tinha televisão, mas um aparelho de 20 polegadas na sala, que pegava dois ou três canais, de forma sofrível (com direito a palha de aço na antena!). Esse cara cresceu e hoje convive com um bombardeio de informações que chegam de todos os lados, todos os dias. Os e-mails (o carteiro moderno, que chega a qualquer momento com alerta no celular que tem nova mensagem), vídeos na rede, redes sociais etc nos inundam o cérebro diariamente com uma avalanche de informações.

Esse cérebro passou a processar uma quantidade surreal de estímulos. E nosso pensamento ficou excessivamente acelerado. Porém, com isso, passamos a cultivar em nossas mentes uma chuva de pensamentos quase simultâneos, numa sucessão alucinante, quase sempre de baixa qualidade e de pouca correspondência com a realidade. Temos uma urgência incontrolável para tudo e temos a mente consciente voltada quase sempre para o momento futuro. E esse futuro normalmente é recheado de receios e perigos. Afinal, a ansiedade é a antecipação de ameaça futura.

Aqui as duas histórias se entrelaçam. A sensação de ameaça torna nosso sistema límbico hiperativo, e passamos a padecer fisicamente por conta de nosso descompasso mental moderno. E, aí, vemos todos os dias nos consultórios médicos indivíduos com queixa de palpitações, falta de ar, dor no peito e vários outros sintomas. Claro que uma avaliação médica é importante, afinal, podemos estar diante de uma doença física instalada, que demanda seu tratamento. Mas o diagnóstico em grande parte das vezes é transtorno de ansiedade.

E esse transtorno de ansiedade, que nos mantém presos ao futuro cheio de perigo, nos proporciona sofrimento imensurável no momento presente. Afinal, só nos pertence o momento presente, nada mais. Portanto, torna-se imprescindível identificar esse mal e tratá-lo. O tratamento passa muitas vezes por medicações para alívio de sintomas e psicoterapia, além de ferramentas que aumentam a chance de sucesso como atividade física regular e técnicas de alívio de estresse, como ioga ou meditação transcendental.

Termino citando Dalai Lama: "Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer... e morrem como se nunca tivessem vivido".

OTAVIO CELESTE MAGILI é médico cardiologista em Maringá

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