Esquerda e direita são dois lados opostos, dois lados que não se encontram de modo literal, pois cada qual ocupa seu próprio espaço, e não outro. Na metáfora política não se cruzam por quaisquer motivos que queiram nominar, um lado quer explorar o outro, e o lado outro, é por sua vez, um lado que quer viver de brisa e mamar nos seios fartos, porém doentes do governo. (Assim dizem todos os lados). Há sempre alguém que não fica do nosso lado, fica em outro. Cada vez menos gente tem ficado do meu lado, creio que o mesmo esteja ocorrendo com você que me lê. Como os lados estão sendo todos deixados, como estrelas e bússolas quebradas ou defeituosas deixaram de elucidar os meus trajetos, eu não me orientarei por entre nenhuma das direções. Quero falar como ser humano que se sente triste, posso?

Dias atrás na cidade onde moro uma garota foi violentada pleno início da manhã, sabemos disso, pois após o trauma ela reuniu forças para denunciar o ocorrido, lutar por justiça como lutou pela vida. "Lutou" pela vida pode soar engraçado para quem ouviu o relato e constatou que a moça se limitou a tentar manter a calma, e esperar que o indivíduo "fizesse o que tinha que fazer" e fosse embora. No entanto, sua obstinação silenciosa a salvou, sua resiliência muda a salvou, ainda que sob ameaças as quais não tivemos pleno acesso, mas pudemos imaginar, sobretudo, nós, as mulheres.

O feminismo existe, entre outras razões, para que não tenhamos que abrir os jornais e topar com uma notícia como esta, para que possamos sonhar, um dia, em andar pelas ruas com tranquilidade, tomar um ônibus a qualquer hora do dia ou da noite, acompanhadas ou não. No entanto, para o momento, nosso único acompanhante é o terror, insistente e constante, aos 12 anos o meu maior medo já era ser estuprada. Lembro-me de imaginar a situação na época, e preferir estar morta a deixar que a hipótese se concretizasse (como se dependesse de mim). Talvez por esta razão, a história desta moça tenha me tocado tanto, ela quis viver, acima de tudo, quis viver e lutar pelo resto de nós.

O homem não estupra para obter prazer, simplesmente possuir sexualmente uma mulher, o estupro é um instrumento de humilhação, de afirmação de superioridade, uma violência contra o que a sociedade considera a maior fragilidade da mulher. O estupro é alicerçado por violências outras, consideradas menores e menos nocivas, pasmem, até mesmo por piadas.



Se você não conhece esta realidade, se não a sente na pele, nos ossos, no fundo do peito, não deboche da nossa luta, não deboche da nossa dor, não desmereça os nossos esforços, não nos ridicularize por fazer o que ninguém fez por anos: proteger-nos.

Dito isto, gostaria de expressar minha imensa decepção e indignação com o apoio público da Câmara de Londrina ao estagiário Gabriel Vaz, que nas últimas semanas demonstrou completo desprezo e desrespeito a mulheres que como eu, e muitas, muitas londrinenses, usam de todos os seus esforços para, diariamente, tornar nossa sociedade mais igualitária.


Sei que não falo sozinha quando digo que este posicionamento me ofende, me entristece, e faz com que eu me sinta órfã politicamente na cidade em que nasci. De "bom humor", estaremos quando nos sentirmos representadas e respeitadas, o que por hora, não parece possível.

VIVIAN CAMPOS é publicitária e escritora em Londrina

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