Não temos pena de morte no Brasil, mas não por respeito à vida e à dignidade da pessoa humana. Se assim fosse não teríamos os infernos a que chamamos presídios, que, conforme o artigo 1º da Lei de Execução Penal, teriam o objetivo de "...efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado".

Diante dos recentes massacres ocorridos em Manaus (AM), Monte Cristo (RR) e Natal (RN), além de outros que ocorrem por aí, porém de menor impacto na mídia, a triste conclusão a que chegamos é a de que o Estado brasileiro é tão criminoso quantos aqueles que ele julga, sentencia e depois executa de forma cruel, covarde, sem chances de defesa, pois, analogamente, assassinar presos é como assassinar alguém com as mãos e pés amarrados.

É certo de que alguns que lá estão também usaram dessa mesma crueldade com suas vítimas, mas eles assumidamente são bandidos. O Estado a princípio não é, logo, deve pautar pela justiça, ética e o respeito aos direitos humanos, justamente para não se igualar ao condenado.

Os últimos acontecimentos ganharam as manchetes internacionais e nos encheram de vergonha pela incapacidade ou má vontade de gerenciar esse setor, sem contar com a possibilidade de que haja outros interesses, dos quais um merece destaque: a destruição dos presídios demanda medidas de urgência na realização das obras de reconstrução, o que de acordo com o artigo 24, IV da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações), motiva a dispensa de licitação para a aquisição dos materiais e serviços. Se numa licitação exercida com todo rigor encontram espaço para burlar a legalidade, imaginem sem esse mecanismo de controle? Seria uma festa! Espero que esse não seja o caso, mas já houve episódio em outro estado, onde a farra foi escancarada, com a quase totalidade dos fornecedores pós-rebelião serem empresas ligadas á família do governador.

Não bastasse a carnificina, tivemos que ouvir a infeliz declaração do presidente Michel Temer de que a morte de 60 presos foi um mero "acidente pavoroso", no lugar de assumir que é a perpetração da incompetência e do descaso institucional. Outra ainda mais imbecil é da lavra do "coxinha", ex-secretário da Juventude do governo federal, Bruno Júlio, que ganhou os noticiários - além da demissão - ao declarar que "tinha era que matar mais" e "tinha de ter uma chacina por semana". Para justificar seu ponto de vista, tascou essa: "Eu sou meio coxinha sobre isso. Sou filho de polícia, né?". Sim, e daí? Teu pai não te disse que a polícia atua para defender as leis? Que argumento tosco desse rapagote mimado.

Mas considerando que quase 60% da população apoia esse conceito (pesquisa DataFolha de novembro de 2016), é bem possível que o ex-secretário esteja apenas iniciando sua campanha para alçar aos píncaros da carreira política. Não duvido!
É desalentador, pois a fragilidade do sistema prisional não só provoca cenas escabrosas de corpos dilacerados, mas impacta diretamente na segurança das famílias.

A polícia, espremida entre a ineficiência do poder público e a mira dos marginais, também está acuada. Suas armas só funcionam se houver cérebro para operá-las, o que em termos de efetividade policial equivale à estruturação de um serviço de inteligência que torne as operações mais assertivas, logo, menos dispendiosas e arriscadas, além, é claro, do investimento em formação continuada, valorização do profissional e senso de respeito à vida.

E que se calem os defensores da morte de bandidos que em nada contribuem, exceto para expandir a cultura do crime para onde ele encontra melhor ambiente, ou seja, no próprio meio da bandidagem. Entre as bravatas dos justiceiros e a ação dos marginais, é a população que morre. Chega de nos alimentarmos de indigestas coxinhas (e mortadelas) rançosas.

JAIR QUEIROZ é psicólogo e pós-graduado em Segurança Pública em Londrina

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