O movimento conhecido internacionalmente como Outubro Rosa iniciou-se nos Estados Unidos com o objetivo de mobilizar a população feminina na luta contra o câncer de mama. Não é privilégio dos tempos modernos que os grandes centros médicos e órgãos reguladores americanos se empenham em promover ações que visam o diagnóstico precoce da doença; a primeira revolução no tratamento do câncer de mama ocorreu há mais de 100 anos.

Naquela época, após a simples retirada do tumor, recorrências na mama operada ou na axila eram comuns e a chance de cura era de apenas 20%. O cirurgião Willian S. Halsted, do Hospital John Hopkins, em Baltimore, consagrou a técnica cirúrgica que incluiu a remoção não apenas da mama, mas de outras estruturas vizinhas como a musculatura peitoral e os linfonodos da axila, batizada de "Mastectomia radical".

Sua abordagem mais agressiva fez dobrar a chance de cura das pacientes, entretanto, as sequelas pós-operatórias como deformações estéticas, problemas de cicatrização, dor crônica, inchaço e até perda parcial dos movimentos do braço prejudicavam muito a qualidade de vida dessas mulheres. Todavia, não se pode citar o sucesso obtido com o tratamento que dispomos nos dias atuais sem mencionar esse importante passo vivenciado há mais de um século.

Os desafios não paravam por ali, na verdade estavam apenas começando! Com a melhora do tratamento cirúrgico, médicos e pacientes começavam a conviver com algo, na época, inesperado: as chamadas recidivas a distância do tumor. Gânglios linfáticos, ossos, pulmões, fígado e cérebro passaram a vitimizar as mulheres, o que logicamente voltou a despertar a atenção de pesquisadores, num momento onde ainda se iniciavam os primeiros estudos com o uso da quimioterapia no período de pós-II Guerra Mundial.

O advento do uso do hormônio e da quimioterapia, seja realizada antes ou após a cirurgia, foi certamente outro grande ponto de avanço histórico na área. Estudos recentes continuam comprovando que, quando corretamente indicadas, essas estratégias promovem maiores chances de cura e devem sempre fazer parte das discussões médicas multidisciplinares nos casos de câncer de mama, envolvendo pacientes, cirurgiões e oncologistas.

Inovações tecnológicas como o desenvolvimento de métodos de diagnóstico precoce, exames de imagem mais detalhados, técnicas mais refinadas de radioterapia, melhor suporte ao tratamento quimioterápico e surgimento de novas medicações vêm possibilitando que essa luta se torne mais "justa".

Logicamente, graças ao esforço da população feminina em tornar esta causa uma prioridade para investimentos do governo e de laboratórios farmacêuticos e a conscientização de múltiplos segmentos da sociedade e da comunidade científica quanto a sua relevância, hoje conseguimos atingir índices de sobrevida em cinco anos para tumores localmente avançados que ultrapassam os 70% e, nos casos de tumores precoces, possibilitamos tratamentos com taxas de 94% a 97% de chance de cura com terapias cada vez mais personalizadas.

Estes avanços levaram as mulheres a quererem mais. Já não basta apenas a cura, as pacientes anseiam por manter a sua aparência, sua funcionalidade, sua feminilidade e sua qualidade de vida após terem vencido este algoz inimigo. Halsted, o único na história a conseguir duplicar a sobrevida no tratamento de um câncer, passou a ser questionado; sua cirurgia radical não era mais categoricamente obrigatória para todos os casos.

As mulheres lutaram pelos seus direitos e assim os vêm conquistando. Hoje, entendemos que a Medicina não deve apenas objetivar o tratamento ou impecáveis avaliações estatísticas para obtenção do "sucesso"; ao médico é fundamental compreender essas nuances, afinal o nosso dever será sempre o de cuidar.

GABRIEL LIMA LOPES é coordenador-geral do Centro de Oncologia do Hospital do Coração de Londrina e FILIPE DIAS CUNHA CASÃO é oncologista do Hospital do Coração de Londrina

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