A Declaração Universal dos Direitos Humanos completará 50 anos em 2018. No entanto, ainda há equívocos sobre o tema. Muitas vezes, a expressão direitos humanos é rotulada como "direito dos bandidos", enquanto as vítimas respectivas estariam à míngua de qualquer proteção jurídica.
Dizeres desse quilate não contribuem para o esclarecimento da matéria, além de trazerem em si uma postura antiética ao distorcerem conceitos de maneira inconsequente. Lembre-se, a propósito, que tais críticas somente são possíveis porque existem direitos humanos, já que a liberdade de expressão é um dos pilares desses direitos.

Os direitos humanos constituem uma aspiração antiga da humanidade por um mundo melhor; por uma sociedade livre, justa e solidária. Prova disso são documentos como a Magna Carta (1215) e o Bill of Rights (1689) na Inglaterra, a Declaração de Independência nos Estados Unidos (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França (1789), os quais continham em seu âmago o timbre do repúdio a regimes totalitários e a valorização da liberdade e da igualdade.

No século XX, com a hecatombe da Segunda Guerra, esses direitos passaram a focar também na dignidade humana, impedindo que pessoas fossem tratadas como coisas, objeto ou instrumento para algo ou alguém. Afinal, o ser humano não é coisa e, portanto, não tem preço. O ser humano tem dignidade, como alertava Kant.

Fiado nisso, os direitos humanos se manifestam como preceitos éticos universais que visam assegurar o respeito a todo ser humano, bem como protegê-lo de qualquer forma de ofensa, discriminação ou abuso por motivo de etnia, sexo, orientação sexual, idade, profissão, religião, origem nacional, situação econômica ou opinião política.

Logo, não há "direito de bandidos" em detrimento de vítimas. Há vedação à justiça com as próprias mãos, a linchamentos sumários e a atos de primitivos de barbárie, sem que isto afete direitos de vítimas ou de quem quer que seja.

Porém, a obscuridade sobre o tema parece não se restringir a questões afetas à segurança pública. Recentemente, o edital do Exame Nacional do Ensino Médio previu nota zero à redação que desrespeitasse os direitos humanos.

Pois bem. Da forma como foi veiculado, o próprio enunciado estaria violando direitos humanos, ao cercear de maneira vaga a liberdade de expressão. Todavia, seguramente, não foi esta a intenção.
A ideia, ao que tudo indica, seria repelir o discurso do ódio, entendido como aquele que inferioriza o diferente e/ou minorias; que incita à intolerância e à violência. Ocorre que, para tanto, bastaria que as notas fossem atribuídas em consonância com os referenciais dos direitos humanos, independentemente de eventual enunciado.

Seja como for, o episódio é sintomático. Revela que até agora não compreendemos e tampouco sabemos lidar bem com direitos humanos; que é preciso dialogar mais e melhor sobre o assunto, a fim de não se cair em armadilhas de palavras mal postas que, de boa ou de má-fé, possam aniquilar um projeto ancestral de uma vida digna.

Por fim, é importante sublinhar que a Constituição, em seu art. 3º, inc. I, firma que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária. Mas observe: não está dito que esta sociedade esteja pronta. Diz que deverá ser construída. Em vista disso, dois aspectos comportam destaque: a) somos todos sócios, daí o nome sociedade; b) de acordo com Aristóteles: virtude excessiva, não é virtude; é vício.

JOSÉ RICARDO ALVAREZ VIANNA é doutor em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, professor da Escola da Magistratura do Paraná e juiz de Direito em Londrina

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