Este é um bom momento para verificar o incansável potencial crítico das energias existentes. Para tanto, se faz necessário colocar na mesa de debate os construtos teóricos, metodológicos e políticos que se interpenetram tornando possível fecundar um conjunto de significados, relevantes e prudentes, para daí tentar entender o passado, o presente e, sobretudo, para teorizar o futuro. A crise crítica dos significados aparece como um turbilhão de falas, formas que tenta tudo levar, tudo explicar. Porém, esta abordagem deixou buracos, há vazios por onde passa e carrega consigo um desmonte. Sabemos das tentativas de jogar uma pá de cal sob o pensamento anterior para sucumbir definitivamente. Entretanto, o pensamento resiste, e não se esgota: mesmo com poda rasa, suas raízes permanecem, basta as condições ideais e ele renasce. Cabe, com perspicácia, reiniciarmos o eterno exercício de recomposição do pensar, organizar, formular ideias e formas.
Há inúmeras tarefas nesse processo. Primeiro na academia, podemos revigorar a formação de um pensamento crítico observando, de forma mais atenta, o exercício prático dos movimentos sociais populares, termômetros da sociedade, não apenas para anunciar e denunciar a temperatura social, como também indicar o tratamento necessário. É na lição do presente que podemos encontrar as pistas e as forças para seguir adiante no pensamento fortalecido e nas ações revigorantes. É preciso lembrar que mesmo luzes claras, aos poucos, se apagam. Diante da escuridão devemos ampliar a leitura crítica e atenta de futuro para fecundar a imaginação. Mais que criar e entender conceitos como solidariedade, fraternidade, emancipação, devemos também, senti-los no forjar do cotidiano. Tentativas e erros ocorrem, assim como os acertos, não podemos viver apenas nos fundamentos do passado, mas sim pensar, cultivar e conviver com um futuro possível. Sabemos ontem e hoje que a presumível eficácia do mercado não é mais que sua expressão alienada e massificadora da ordem estabelecida. Na onda oportunista da crise, a fonte manifesta geradora de emprego e por ordem na casa apresenta sua versão mais perversa. Se por um lado, há limites estruturais da expansão contraditória da lógica produtiva, também não apresenta responsabilidade social e nem ética para modificar tal quadro. Por outro, age de forma bruta ao romper, no imaginário e nas experiências, todo e qualquer potencial alternativo, destruindo os pilares da educação crítica e transformadora, para fixar uma capacitação instrumental e serviçal que simplesmente prepara e amplia quadros de reposição produtiva. Uma educação que propõe romper com o elástico crítico do potencial de nossas crianças e jovens, calcificando comportamentos mentais, na ordem que subjuga as ações condicionadas, preestabelecidas.
Esse olhar retira de cena todo pensamento contraditório à ordem e o deposita numa cova comum, para cobri-la com uma pá de cal, matéria única que endurece, ofusca e cega, certificando-se, desta forma, a morte do o sujeito. O capital, mais uma vez, em sua autoexplicação, que lhe é comum, tenta explicar-se, tenta sobreviver, sem necessitar da força de trabalho humana criativa. Assim, vamos embalando novos ensaios. Para nós, intelectuais, abre-se uma oportunidade de entender melhor quem somos e o que podemos e devemos fazer. Imagino, neste momento, posicionar-se como retaguarda e não vanguarda, pois nossa percepção sobre os movimentos da sociedade advém do turbilhão social. E, por fim, construir os saberes necessários associados com muitos, trabalhadores e intelectuais, numa permanente edificação de realidades, uma construção de utopias.

PAULO BASSANI é sociólogo e professor da Universidade Estadual de Londrina

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