As chocantes cenas recentes replicadas em vários canais de comunicação relatando a falta de qualquer pudor por parte de um grupo de reacionários extremistas de direita que, na pequena cidade de Charlottesville, Virgínia, nos EUA, foram às ruas em protesto contra negros, imigrantes, gays e judeus, deveria despertar em nós inúmeros questionamentos. Dentre tantos, podemos destacar um em particular: como ainda é possível a existência de comportamentos como este em pleno século XXI?

Neste caso específico, é necessário contextualizar historicamente a Virgínia, estado onde se localiza a cidade de Charlottesville. Ao longo do conflito que marcou a história dos EUA no século XIX - conhecido como Guerra de Secessão, ou Guerra Civil Americana (1861-1865) – a cidade de Richmond, ponto estratégico dos confederados e atual capital da Virgínia, foi escolhida como a futura capital dos Estados Confederados da América. Mas a tão sonhada independência sulista não ocorreu, já que o exército da União acabou vencendo o conflito. Em dezembro de 1865, com a XIII Emenda à Constituição dos Estados Unidos promulgada, ocorre definitivamente a abolição da escravatura - para desespero dos confederados derrotados.

Muitos destes soldados confederados, ressentidos com a derrota para as tropas do Norte, contribuíram para a fundação, já no final do século XIX, de uma seita racista chamada Ku Klux Klan, que no início do século XX chegou a reunir em torno de sua sigla algo em torno de 5 milhões de seguidores. Um dos maiores representantes atuais deste ideal, o "ex-líder" da KKK David Duke, estava no protesto recente que ocorreu em Charlottesville, e fez questão de lembrar que Trump só assumiu a Casa Branca graças aos votos recebidos de grupos com posicionamentos ideológicos semelhantes.

Mas este posicionamento reacionário extremista de direita não pode e não deve ser classificado como um fato isolado. A recente eleição francesa é um grande exemplo, já que demonstrou como esta estrutura de pensamento mobilizou parte de seus eleitores, chegando a quase eleger Marine Le Pen, candidata do partido francês de extrema direita Frente Nacional (FN). Marine Le Pen também é filha do atual presidente de honra (e também um de seus fundadores) da FN, Jean-Marie Le Pen. Na internet, não é difícil encontrar ideias pautadas no ódio propagadas pelo patriarca da família Le Pen.

Em meio a estas reflexões, podemos constatar um elemento em comum entre os que foram às ruas em Charlottesville e os eleitores de Marine Le Pen: o não constrangimento em se autoproclamarem extremistas de direita. Muito pelo contrário, alguns nutrem um profundo sentimento de orgulho.

Já no Brasil, inúmeros formadores de opinião, contrários ao que chamam de "esquerdização" de nossa cultura, jornalismo e educação, possuem praticamente a mesma estrutura comportamental e discursiva presentes tanto no imaginário dos reacionários de Charlottesville quanto nos eleitores de Marine Le Pen. Mas enquanto nos EUA e na França as pessoas não se sentem incomodadas, mas sim, como foi dito, orgulhosas com o rótulo de extremista de direita, por aqui nega-se ou procura-se fugir deste estereótipo. Alguns até se autodenominam como reaça, mas jamais extremista de direita.

Interessante de tudo isso é constatar que boa parte desta turma ligada ao extremismo reacionário de direita no Brasil possui um mentor, um guru em comum. Este senhor atualmente reside em Richmond, que por sinal fica a pouco mais de 100 km de distância de Charlottesville. Para este pensador brasileiro "autoexilado" na Virgínia, assim como para seus seguidores/funcionários, os fatos ocorridos em Charlottesville não passam de farsa criada por aqueles que concentram o poder elitista global. Triste constatação, mas exemplo pontual tanto do mau caratismo reacionário contemporâneo quanto de seu elemento mais marcante: o forte apelo ao que podemos nomear como pós-verdade.

LEANDRO CESAR LEOCÁDIO é professor de História e mestre em História Social pela Universidade Estadual de Londrina

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