Em toda sociedade, convive-se com várias espécies de normas. Normas políticas, jurídicas e convencionais são tipos de normas que regram cotidianamente nossas condutas, ora estimulando determinados comportamentos, ora proibindo ou restringindo o agir humano.

Normas políticas, jurídicas e convencionais, por vezes, se integram e é possível que uma espécie prevaleça sobre as demais. O resultado dessa interação é contingente. Assim, em determinadas circunstâncias, a norma jurídica pode prevalecer sobre a política e a convencional; como pode também, alterado o contexto, a convencional preceder os outros tipos normativos. A inocorrência de concorrência também é viável e em tais situações a norma, seja de que espécie for, impera sem qualquer interferência das demais.

Essa lógica normativa se aplica inclusive nos mais altos âmbitos políticos. Exemplificativamente, quando uma alta autoridade perde sua legitimidade perante o eleitorado, por supostamente ter cometido grave transgressão, é natural, em determinados países, que se espere que o agente político se afaste do cargo que exerce, antes mesmo de experimentar pressão política ou social. Tal convenção, norma não escrita, mas obrigatória no jogo político, estabelece o comportamento esperado.

Embora não conste da Constituição, dos códigos ou de leis, essa convenção, vigente em alguns países, incentiva o comportamento por ela ditado e os cidadãos não esperam outro comportamento do agente político senão o afastamento de suas funções públicas. Por macular a credibilidade, a renúncia é ato comum em tais casos, tendo em vista que as qualidades morais restaram negativamente afetadas, agiu à margem de suas responsabilidades ou foi incapaz no exercício da função.

A autoreprovação moral quando acompanhada de incentivos negativos decorrentes do desenho institucional quase invariavelmente provocam a renúncia. Por exemplo, em regimes parlamentares, a perda da confiança pode inviabilizar a permanência do primeiro-ministro. Nos Estados Unidos, por sua vez, há a percepção de que a "renúncia é preferível à expulsão", dado que há legítimo receio de que ocorrerá ou responsabilização política, ou a reprimenda de ordem moral, ou mesmo a incidência concomitante de ambas as normas. Na Alemanha, o presidente alemão à época Christian Wulff, ameaçado de perder a imunidade, declarou que "a queda de confiança em seu trabalho por parte do povo alemão o forçou a renunciar".

No Brasil, infelizmente, não vige tal convenção. Em verdade, notamos, pelos últimos exemplos de nossos políticos, que, quando acusados de graves crimes, apegam-se aos cargos que ocupam. A praxe política praticada no país se justifica por razões institucionais, isto é, por razão do desenho de nossas instituições, em especial dos mecanismos de responsabilização.

Embora nossas normas jurídicas regulem a responsabilização de políticos transgressores e ainda que a política venha constranger o político sob suspeição, vários mecanismos institucionais (imunidade parlamentar, impossibilidade "pro tempore" de responsabilização do presidente por atos estranhos ao mandato), ao sinalizarem em sentido contrário ao afastamento do político, estimulam o apego ao cargo. Tudo leva a crer que nossos agentes políticos não compreendem o sentido do termo responsividade.

Não foi por outra razão que o presidente Michel Temer, recentemente, declarou que a renúncia significaria "admissão de culpa", isto é, denotaria ato de reconhecimento das malversações praticadas. Parece que tal presunção tem se aplicado, aparentemente, aos demais agentes implicados em supostas transgressões. Por isso, é que ainda ouviremos, em tantas outras ocasiões, a reafirmação da nossa convenção de responsabilidade às avessas, no sentido de que, para o bem da Nação: - "não renunciarei".

ANTONIO SEPULVEDA, IGOR DE LAZARI e DIOGO BRASIL são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições no Rio de Janeiro

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