Democracia possui três principais aspectos, de acordo com Phillip Pettit, todos identicamente importantes para que o povo realmente possua poder sobre o governo: primeiro, o governo deve possuir mínima aceitação do público no domínio político; segundo, qualquer privilégio discriminatório deve ser reputado antidemocrático; e, terceiro, o povo deve possuir meios de definir o modo como o governo opera. Este terceiro aspecto representa o zênite da democracia: o "controle pelo povo".

O "controle pelo povo" possui diferentes significações: a noção de que a população possui influência sobre o governo; a ideia de que as pessoas direcionam intencionalmente o governo; e, por fim, a noção de que as pessoas possuem poder intermediário. Para que alguma destas noções se manifeste, são necessários mecanismos de institucionalização daquele "controle", a direta realização do "poder pelo povo", ou, principalmente, a atuação legislativa proativa, judiciosa e atenta ao interesse público.

Na prática pública brasileira, porém, não se identificam poderosas e reais manifestações do "controle pelo povo"; isto é, não se identificam manifestações que imponham "modos de operar" ao governo. Não se pode esconder que o povo brasileiro vivencia um cansaço, uma desilusão, em relação aos nossos representantes políticos. Em verdade, pode-se dizer que o Poder Legislativo experimenta uma crise, uma falência ou, até mesmo, uma agonia institucional. Não custa lembrar, ainda, que o Estado Democrático, para seu regular funcionamento, depende da higidez parlamentar, pois o Poder Legislativo, como um dos Poderes republicanos, oferece o melhor atalho para viabilizar a democracia moderna, dadas as pluralidades e amplas dimensões sociais. Embora não sejam ideias idênticas, é inegável que os destinos do Poder Legislativo e da democracia estão entrelaçados.

Munícipes paranaenses, ao longo dos últimos meses, demonstraram vontade para alterar o desestimulante cenário de "miséria moral" e carência de representatividade, por meios diretos não institucionalizados. Moradores das cidades de Bandeirantes, Cambará, Ibaiti, Jacarezinho e Santo Antônio da Platina dão exemplo de como a pressão popular pode constranger e limitar determinadas ações parlamentares. Movimentos sociais tencionam introduzir a opinião popular nas deliberações públicas. Nas manifestações paranaenses, os cidadãos explicitam suas insatisfações com os desmandos da classe política e revelam a necessidade de criação de novos arranjos institucionais que insiram o poder popular – outrora, inerte, adormecido - no "jogo político". E mais: inspiram brasileiros a se tornarem ativos cidadãos.

Em virtude dos últimos acontecimentos, toma-se como exemplo os protestos ocorridos na cidade de Jacarezinho. Meses atrás, um grupo de cidadãos protestava na Câmara de Vereadores, em razão de serem contrários a um projeto de lei que previa o aumento do número de vereadores. Na ocasião, os munícipes foram chacoteados por um dos vereadores que, segundo a mídia local, teria dito ao presidente da Câmara que "meia dúzia de gatos pingados não coloca pressão em ninguém". O fato acirrou o ânimo dos populares, servindo de estopim para que se formasse um movimento de maior envergadura - agora intitulado "Todo poder emana do povo – Jacarezinho em ação".

Há pouco tempo, o presidente da Câmara se opondo ao pleito dos munícipes, deixou o plenário da Câmara, sob fortes vaias, tendo de se socorrer inclusive de apoio policial, uma vez que não quis pôr em pauta a votação de um projeto de redução dos subsídios da próxima legislatura. Clamava-se, na oportunidade, por um substancial decote da remuneração dos vereadores, isto é, protestava-se por redução remuneratória de R$ 6.200,00 para R$ 788,00.

É nítido que o rompimento da inércia político-popular denota que o povo, independentemente de convite, quer participar ativamente da arena política. Não mais admite ser governado mediante decisões tomadas por Parlamentos, surdos e cegos aos anseios e valores sociais.

ANTONIO SEPULVEDA, FABRÍCIO FARONI e IGOR DE LAZARI são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições (Letaci/PPGD/UFRJ) no Rio de Janeiro

■ Os ar­ti­gos de­vem con­ter da­dos do au­tor e ter no má­xi­mo 3.800 ca­rac­te­res e no mí­ni­mo 1.500 ca­rac­te­res. Os ar­ti­gos pu­bli­ca­dos não re­fle­tem ne­ces­sa­ria­men­te a opi­nião do jor­nal. E-­mail: opi­niao@fo­lha­de­lon­dri­na.com.br