A quarta-feira (12/07) recai sobre a biografia de Lula o seu mais pesado fardo: uma condenação de nove anos e seis meses. O juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, em primeira instância, condenou o ex-presidente Lula no processo que era investigado no caso do apartamento tríplex, no Guarujá. Em sua decisão, Moro destaca crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, contudo, não decreta a prisão de Lula. Há, aqui, duas dimensões complementares: a jurídica e a política. Vejamos:

Juridicamente, cabe, como todos sabem, recurso às instâncias superiores, ou seja, a defesa de Lula recorrerá da sentença de Moro. Um problema a mais é que, geralmente, as condenações de Moro são confirmadas em segunda instância e, com isso, Lula se tornaria um político "ficha suja", pois haveria uma condenação por um colegiado. O universo jurídico, bem como o político e o sociológico, fazem parte das ciências humanas, das ciências sociais e isto é, obviamente, material para discussões acaloradas que não encontraram resposta exata, jamais.

Tal fato, no entanto, está no campo das discussões epistemológicas e isso pouco importa na vida cotidiana dos cidadãos para efeitos imediatos; o que será percebido é uma condenação e, mais ainda, a caracterização de Lula como um criminoso. Isso não é pouco. Todos os que se preocupam com seu nome, com a honestidade, não gostariam de ter tais qualificações: condenado e criminoso. Haverá – e não há como ser diferente – declarações da defesa, dos aliados e dos inimigos políticos de Lula. Fará parte de um enorme espetáculo com palavras e expressões de efeito. No campo da Justiça, ao que se pode depreender o julgamento transcorreu um ritmo normal, tendo a possibilidade do contraditório assegurada e, ainda, condições de exercer ampla defesa. E pior do que está pode ficar, para lembrar conhecida afirmação, visto que há outros processos em que Lula é réu.

Agora, no aspecto político, a sentença vem como um míssil teleguiado. Atinge, por certo, uma das inteligências políticas mais sagazes de nossa história republicana. O Lula mitificado pelos sindicalistas, pelas esquerdas, pela igreja, pelos intelectuais, passa, hoje, a ser humano, demasiado humano. Em todo o julgamento, Lula usou de sua enorme capacidade de se comunicar e de seu carisma, mas, ali, com a Justiça, a lógica não seria a política e sim a dos fatos e das provas coligidas. Lula foi e será, sempre, uma das personalidades históricas que sua singular trajetória, da miséria do Nordeste ao topo da República. E foi assim, no bojo da República e da democracia, que um dos seus principais defensores na luta contra o regime militar, encontra seu pior momento.

Numa cultura política assentada no patrimonialismo, Lula e o PT se apresentaram como o "novo" que combateria, fortemente, as "velhas" práticas e os "velhos" agentes dessa forma de fazer política que arrebenta a república e o Estado brasileiro. Desta forma, Lula está, no limite, condenado, dialeticamente, pela construção de um discurso de ética pública e de honestidade que, na prática política, não encontrou respaldo. Essa condenação que será usada politicamente (independente dos recursos que virão) poderá reforçar a tese de perseguição política e dar mais notoriedade à campanha pelo Planalto em 2018 ou, então, afastará Lula de sua provável candidatura deixando o PT sem sua figura máxima?

Já a Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados discutia um relatório que autoriza a investigação – pelo STF – do presidente Temer pelo crime de corrupção passiva e, distante de Brasília, na fria Curitiba, Moro condena e sentencia o político mais popular da história brasileira. Em tudo o que ocorre, caberia uma singela questão, mas de resposta mais complexa: por que nos últimos anos (acho que faltou essa palavra) a discussão política está tão atrelada à Justiça? Onde a sociedade e os indivíduos podem localizar as responsabilidades e mudar esse medíocre quadro que presenciamos?

RODRIGO AUGUSTO PRANDO é cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo

■ Os ar­ti­gos de­vem con­ter da­dos do au­tor e ter no má­xi­mo 3.800 ca­rac­te­res e no mí­ni­mo 1.500 ca­rac­te­res.
Os ar­ti­gos pu­bli­ca­dos não re­fle­tem ne­ces­sa­ria­men­te a opi­nião do jor­nal. E-­mail: opi­niao@fo­lha­de­lon­dri­na.com.br