Cento e cinco anos! Esse é o tempo em que vimos tentando, por força das leis, demover as pessoas de fazerem uso de drogas. Não deu certo! Usa-se tanta droga hoje quanto se usava nos séculos anteriores. Lembremos, por exemplo, das guerras do Ópio, (1839 e 1865), quando a Inglaterra impôs à China, sob o fogo dos canhões, o livre comércio do ópio, tornando Hong Kong o paraíso dos viciados, comprometendo cerca de 90% da população adulta masculina. Não tardou e o feitiço virou contra o feiticeiro com a multiplicação das casas do Ópio por toda a Europa, causando enormes prejuízos pelo comprometimento da força laborativa e numa capacidade expansionista poucas vezes vista, cruzou o Atlântico e desembarcou nos Estados Unidos.

Durante a Guerra de Secessão, a morfina, um fármaco derivado do ópio tornou-se o bálsamo para as dores dos soldados feridos, mas também para torná-los mais submissos, obedientes e "sem noção". Há cerca de 200 anos o químico italiano Angelo Mariani adicionou cocaína a uma garrafa de vinho, batizou a mistura de Vinho Mariani e ganhou o prestígio do papa Leão XIII, que se tornou seu principal garoto propaganda.

Assustados com tantas drogas, os líderes mundiais resolveram dar um basta e realizaram em Haia, em 1912, a primeira Conferência Internacional para debater o assunto. O resultado foi a instituição da política de guerra às drogas, quando diversas substâncias foram listadas e proscritas. A partir daí aqueles que insistiam em comercializá-las passaram a ser punidos com prisão, enquanto os viciados se tornaram alvos de sanções indiretas, de cunho moral, tratados como desprovidos de caráter, marginais, vagabundos.

Chegamos a 2016 e nada mudou, ou melhor, as drogas mudaram. Foram aperfeiçoadas, sintetizadas, produzidas em escala industrial e vendidas a preço de ouro. A repressão não surtiu o efeito almejado e os especialistas voltaram à atenção para o tratamento de dependentes, mais uma vez com resultados irrisórios. As razões dos pífios efeitos dos métodos de tratamento remontam às origens dos estudos realizados nos anos 60, quando cientistas tentavam compreender o fenômeno da dependência e, para isso, isolaram ratinhos em gaiolas minúsculas contendo dois fracos, sendo um com água pura e o outro com água contendo doses de cocaína, heroína ou morfina. Eureca! Olhem como eles enlouquecem com a água batizada com drogas e se esquecem da água pura! Assim ensinaram ao mundo que a dependência é uma questão de interação química/organismo e que basta alguém usar uma substância psicoativa para se tornar dependente e com mínimas possibilidades de cura.
Nos anos 70, porém, um professor de Psicologia chamado Bruce Alexander, observou que os ratos naquelas gaiolas apertadas, isolados e manuseados, estavam submetidos a um grande estresse, logo, que a experiência estava contaminada. Criou então um "parque" para ratos, equipado com vários brinquedos em forma de túneis, rodas, escadas, onde os cobaias tinham direito a convivência, alimentação farta, possibilidade de copular, cuidar dos filhotes, enfim, ter uma vida saudável e alegre e descobriu que nessas condições eles não se interessavam pelas drogas. Mesmo se fossem forçados a usá-las, cessavam o uso assim que ganhavam a liberdade. A química não os submetia.

Passaram-se 46 anos e as universidades continuam ensinando seus acadêmicos a condicionarem ratos para torná-los viciados, negando-lhes o direito à socialização, ao lazer e à liberdade. Por ironia, esse é o mesmo tratamento destinado aos dependentes químicos, trancafiados em certas clínicas de recuperação, às vezes de forma compulsória, submetidos a uma rotina rigorosa e estressante, quando não despersonalizantes e privados do convívio com seus familiares. Outros, menos afortunados, terminam trancafiados em pocilgas batizadas de cadeias, onde as drogas são o único bálsamo para resistir ao ambiente infecto, além da justificável fissura. Aliás, obtê-las naquele ambiente é mais fácil do que nas "bocas" que frequentavam... e a sociedade lamenta o triunfo das drogas!

JAIR QUEIROZ é psicólogo clínico e pós-graduado em Seguranç1a Pública em Londrina

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