Ficamos indignados diante do processo de corrupção endêmico que nos cerca, ou melhor, a corrupção que sempre existiu e que era negada ou naturalizada, demonstra sua dimensão desproporcional. Políticos inescrupulosos transformaram a mais nobre das atividades, numa banca de comércio vil. Empresas que durante anos foram vistas como referência nacional, exemplos de sucesso e capacidade empreendedora, são dessecadas e revelam a podridão em que foram forjadas. Vem à tona um incômodo traço da cultura nacional, confunde-se esfera pública com a privada e se é incapaz de cumprir normas socialmente pactuadas.

Contudo, pode ser esta a grande oportunidade de mudar a história, depurando sem trégua e seletividade o lamaçal que nos invade. Queremos acreditar que algo está realmente mudando, políticos e empresários de alto quilate estão sendo denunciados e presos, independentemente da coloração partidária. Isso é novidade! Mudanças consistentes exigem coragem e persistência, além de um conjunto de movimentos simultâneos.

Sobre honestidade e idoneidade, a Dinamarca tem muito a nos ensinar, mais uma vez ganhou o título de país menos corrupto do mundo segundo um estudo desenvolvido em 168 países pela ONG Transparência Internacional que avalia a corrupção no setor público e privado. O respeito às normas coletivamente pactuadas assegura-lhe invejáveis níveis de bem-estar social, o que cria um ciclo virtuoso: honestidade gera eficiência na alocação de recursos, que se traduz em confiança e idoneidade.

Entre as políticas que contribuíram para esse desempenho destacam-se os mecanismos de transparência quase irrestrita instituídos há várias décadas. Diferentemente da maioria dos países, onde o sigilo fiscal é sagrado, na Dinamarca e nas demais nações nórdicas as informações relativas à renda e aos impostos pagos por qualquer cidadão ficam disponíveis para acesso por qualquer um. A ampla transparência apoia-se na ideia de que quem não deve não teme, podendo-se confrontar padrão de vida com rendimentos, coibindo o exibicionismo sem lastro.

Os sites dos governos são ricos em informações sobre gastos de políticos, salários e investimentos por áreas e qualquer cidadão pode requerer informações que não estejam lá. Outro inibidor de corrupção é que quando o político é eleito, a equipe que trabalhará com ele é a mesma da gestão anterior, ou seja, funcionários públicos de carreira.

Em 1809, os suecos inventaram a figura do Ombudsman (ouvidor), responsável por receber e dar encaminhamento às reclamações dos cidadãos comuns frente aos excessos do poder. Na Dinamarca, a ouvidoria Parlamentar emprega mais de cem funcionários que recebem reclamações dos cidadãos e procuram tomar as devidas providências para resolvê-las, ninguém fica sem resposta.

A mídia é outro instrumento fundamental contra a corrupção. Os países nórdicos contam com uma imprensa plural, independente e vigilante, que não confunde liberdade de imprensa com a lógica mercantil. Possuem um conselho supervisor de imprensa, um organismos de autorregulamentação da mídia que incorporara representantes da sociedade civil, como professores, sindicalistas, entre outros. A presidência é exercida por juízes da Suprema Corte, que se alternam em regime de revezamento.

Para a ONG Transparência Internacional, o motivo do desempenho exemplar da Dinamarca se deve principalmente aos mecanismos de transparência irrestrita, à força e independência das instituições de Justiça e intolerância à ilegalidade, não só institucional, mas com qualquer indivíduo que infringe as normas estabelecidas. Percebe-se a interligação entre a transparência dos atos do poder, o alto grau de instrução da população e a igualdade social.

LUÍS MIGUEL LUZIO DOS SANTOS é doutor em Ciências Sociais e professor da UEL (Universidade Estadual de Londrina)

■ Os ar­ti­gos de­vem con­ter da­dos do au­tor e ter no má­xi­mo 3.800 ca­rac­te­res e no mí­ni­mo 1.500 ca­rac­te­res. Os ar­ti­gos pu­bli­ca­dos não re­fle­tem ne­ces­sa­ria­men­te a opi­nião do jor­nal. E-­mail: opi­niao@fo­lha­de­lon­dri­na.com.br