A mais de um ano do pleito presidencial, pesquisas mostram que Luiz Inácio Lula da Silva continua a liderar o ranking de pré-candidatos ao pleito. Mais: um perfil radical, o deputado Jair Bolsonaro, faz contraponto a ele, obtendo o segundo lugar na aferição das opiniões. Em pesquisa recente do DataPoder 360, sob o comando de Fernando Rodrigues, Lula lidera com 27% a 28%, enquanto Bolsonaro, a depender do cenário, registra 24% a 20% e até 26%, quando o nome do PT é Fernando Haddad. Que motivações estariam por trás dessa colocação?

O ambiente social, portanto, está impregnado de fatores de natureza política e jurídica, a exprimir o estado de tensões e conflitos que têm como pilar a Operação Lava Jato. A imagem que se tem é a de que o Brasil, nos últimos tempos, se assemelha a uma gigantesca delegacia de polícia. Ações voltadas para a busca e apreensão de documentos, mandados de prisão, descobertas de grande impacto, como malas cheias de dinheiro, tudo sob intensa cobertura midiática, criam no sistema cognitivo das massas a sensação de que os atores políticos estão atolados na lama. A rejeição ao status quo emerge com força.

Dentre os entes mais envolvidos nos escândalos estão quadros com proeminência nos comandos da política e do País, dirigentes partidários, empresários, assessores, ministros, que são alvo de denúncias, alguns se tornando réus em processos que tramitam na Justiça. Lula é um deles. Ele, porém, é aprovado com um índice que, mesmo não batendo seu teto tradicional, 30%, está perto dele. Lula é um líder carismático. Usa o palanque como nenhum outro político, se movimentando de um lado para outro, gesticulando, acusando adversários, expressando verbetes recheados de símbolos, como se estivesse conversando numa mesa de bar com amigos.

Esse é um lado da questão. O outro se refere à história de homem do povo. Veio lá de baixo, da última camada da plebe, um retirante que passou fome, chegando ao posto mais alto da República. Por duas vezes. As massas se identificam. O Bolsa Família, que ele juntou a outros programas da administração FHC, teve o dom de elevar a autoestima das massas carentes. Essa é a cola que liga Lula a imensos contingentes, principalmente as camadas pobres do Nordeste, que enxergam Lula como "Salvação do Povo", "Pai da Pátria".

Nesse ponto, cabe a pergunta: mas ele não está no meio da confusão da corrupção? Réu em sete processos? Por que continua aparecendo em primeiro lugar nas pesquisas? O argumento é simples: "Se todos os políticos são iguais, se a roubalheira é geral, Lula pelo menos tem feitos para mostrar e tem a cara do povão". É o que se ouve. Além disso, parcela razoável do eleitorado não acredita que ele seja corrupto. O que não implica imunidade total. E quando o discurso competitivo aparecer, Lula deverá ser objeto de intenso tiroteio, vindo a cair no ranking de avaliação. Claro, se vier a ser candidato, hipótese que, a cada dia, se mostra menos provável.

Jair Bolsonaro é o reverso da moeda. Sua língua ferina, a postura conservadora, o estilo rompante ganham ampla visibilidade, funcionando como a expressão de um país que baterá duro na bandidagem. Com um discurso agregando grupos de direita e de uma classe média que clama por mais ordem na casa e menos bagunça. Bolsonaro cresce na onda nacionalista-conservadora que toma corpo no seio das democracias contemporâneas. A questão é: sustentará o índice competitivo quando o processo eleitoral estiver em curso? Se garantir 20%, candidata-se a entrar no segundo turno.

A desconfiança, muito comum em época de eleição, voltará com força na mente do eleitor. Certamente, o conceito de mudança também será envelopado no discurso político. Mudar significa alterar, romper situações tradicionais, avançar. Será o fator a disparar o sentimento de adesão, pela recompensa que traz. O contraponto seria a continuidade das coisas. Passado limpo, vida decente, pode ser o refrão do momento.

GAUDÊNCIO TORQUATO é jornalista, professor titular da USP e consultor político e de comunicação em São Paulo

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