Falar do retrocesso que temos vivido no Brasil em diversos setores da sociedade já não é novidade. Sejam os chamados "coxinhas" ou os chamados "petralhas", parece ser consenso de que estamos fadados a ver nossos destinos nas mãos de políticos corruptos que não se importam com o bem-estar da população, como por exemplo, a recente reforma trabalhista e a reforma previdenciária. Contudo, me parece que, embora há muito tempo profissionais da educação estejam falando sobre "a crise das licenciaturas", esta discussão ainda não tem, de fato, atingido a sociedade. A crescente desvalorização da profissão docente e a passividade da população frente a esse assunto nos assusta.

A recente Reforma do Ensino Médio – por meio da medida provisória adotada no dia 22/09/2016, alterando, principalmente, a Lei 9.394 de diretrizes e bases da educação nacional - trouxe à tona a questão do notório saber, que impacta diretamente na concepção de professores. O notório saber pode ser entendido como sendo um conhecimento que todos (ou muitos) reconhecem. Porém, ele não, necessariamente, precisa ser reconhecido formalmente, através de certificados. Ou seja: abre-se a possibilidade de termos professores sem licenciaturas nas escolas. A mensagem que a questão do "notório saber" passa é de que os cursos de formação de professores são opcionais, o que pode significar um impacto negativo no número de ingressantes nesses cursos, enfatizando ainda mais o fato de que poucos jovens almejam se tornar professores.

Soma-se à questão do "notório saber" o fato de que universidades particulares têm divulgado e prometido formar professores em 1 ano e meio. Em outras palavras, cursos de formação de professores de 4 anos, estão fadados ao fim. Novamente, a mensagem que se passa é que ser professor é saber apenas o conteúdo: sabendo o conteúdo, você pode ser professor em 1 ano e meio. Isso significa grande retrocesso aos atuais currículos de licenciaturas pautados na práxis e no entendimento de que ser professor requere o desenvolvimento de diversas competências e identidades. O problema dessas visões – tanto do notório saber quanto da formação em 1 ano e meio – é que ela gera a concepção de formação e de professor enquanto transmissor de conhecimento.

O setor mercadológico e a sociedade de modo geral parecem não estarem preocupados com essas questões. Os argumentos de que é necessária mão de obra qualificada e rápida parece predominar. A sociedade, de modo geral, tem apoiado premissas da agenda neoliberal, que giram em torno da desregulamentação da economia, a mínima intervenção estatal, a privatização, a redução de impostos, o incentivo à competição e a obtenção de lucro tem atingido a educação. Como já atestaram muitos, o neoliberalismo tem subordinado a Educação aos interesses de mercado. Basta ver a falsa neutralidade política, a substituição da formação crítica por uma formação tecnicista, o estreitamento curricular (fim das disciplinas de sociologia e filosofia, por exemplo), defesa de princípios como competitividade, mérito e eficiência. Isso tudo impacta a formação docente.

Raewyn Connell(2010), por exemplo, afirma que as políticas neoliberais têm instaurado um novo tipo de gerencialismo nas instituições educacionais que advoga que certas competências docentes são desvalorizadas em prol de práticas gerenciais pouco específicas, como "inovação" e "empreendedorismo". Cobra-se mais de docentes, mas investe-se menos em sua formação e capacitação, reduzindo drasticamente a qualidade intelectual da Educação, em prol de uma qualidade mercadológica, visando resultados rápidos e direcionados aos interesses empresariais.

Portanto, advogo que é preciso que profissionais da educação se façam ouvir. É preciso ocupar espaços públicos para discutir com a sociedade a formação de professores. É preciso que a sociedade se envolva nessa discussão e entenda o que está em jogo. Professor desvalorizado e sem formação apropriada impacta no desenvolvimento de toda uma geração: se tivermos professores sem formação adequada, também teremos médicos, engenheiros, dentistas e enfermeiros desqualificados. É isso que você quer para seu filho (a)?

ATEF EL KADRI é professor de Língua Inglesa e mestrando em Estudos da Linguagem na UEL

■ Os ar­ti­gos de­vem con­ter da­dos do au­tor e ter no má­xi­mo 3.800 ca­rac­te­res e no mí­ni­mo 1.500 ca­rac­te­res. Os ar­ti­gos pu­bli­ca­dos não re­fle­tem ne­ces­sa­ria­men­te a opi­nião do jor­nal. E-­mail: opi­niao@fo­lha­de­lon­dri­na.com.br