Quando José Saramago indagado sobre qual a maior cegueira de nosso tempo - isso 15 anos após escrever o "Ensaio sobre a Cegueira" -, responde: "São tantas a cegueira de nosso tempo, porém uma das maiores é a de que sabemos aonde tudo isso irá nos levar e, pouco, ou quase nada fazemos". O autor, de forma crítica, nos alerta que as cegueiras são de inúmeras dimensões, e destas escolhemos duas para abordar: a ambiental e a societária. Há uma cegueira ambiental, pois sabemos que a ação humana sobre a biodiversidade planetária está se efetivando de forma implacável em sua manifestação predatória. Estamos esgotando o patrimônio natural da humanidade, tudo aquilo que permite com que a vida aconteça em sua plenitude.

A este fundamento não há como separar a nossa condição humana sob o modo de produção capitalista, sob a égide da propriedade privada, do mercado, do individualismo e do consumismo. E esta é uma cegueira societária. Como espécie inteligente, temos a dizer que pouco apreendemos a viver juntos, pois colocamos à nossa frente os interesses de uns sobre os outros e não o que nos identifica uns com os outros. Isso vale entre os países, entre as classes sociais, entre as etnias, entre as religiões, entre homens e mulheres. Tudo indica que pouco sabemos conviver respeitando as diferenças culturais.

Nossa cegueira é invejosa. Nossa cegueira é competitiva. Nossa cegueira é destrutiva. Nossa cegueira nos incapacita de entender a necessidade de viver com os outros com nossas diferenças, com a nossa relação única e necessária com a natureza.

Assim acredito que haja um trabalho intelectual crítico importante a ser feito. Não há uma única forma de pensar e de construir a realidade, como se entende sob a lógica do capital. Não podemos apenas aderir a esta lógica visível e invisível, como única alternativa. Essa é uma fraqueza intelectual, presente por todos os lados. Entendo isso como um abandono da capacidade crítica, pois preferem ficar assentados sobre seu próprio conforto, não entender e não querer entender o desconforto dos outros.

Entender nossa cultura, as formas como pensam e vivem o nosso povo é fundamental. Conhecer a sua subjetividade e sua objetividade, como se interpenetram as culturas dominantes com a cultura popular. Isso para credibilizar e entender os códigos simbólicos, os discursos e as práticas que se densificam no meio. Como no cotidiano organizam seu território, sua vida e, destas observações construirmos explicações científicas que possam orientar as políticas públicas e as ações correspondentes para alcançar a um mundo, qualitativamente superior ao que aí está.

Este nosso desafio! Sabemos existir inúmeros "intelectuais" que não pensam e não agem desta forma. E aí não sabemos, ao certo, como será nosso destino, nosso futuro, porém podemos dizer que, no presente, temos a oportunidade de construirmos outro caminho: uma alternativa na linha de experiências que eclodem mundo afora, naquilo que se tornou conhecida como cidades sustentáveis, cidades educadoras, onde todos são incluídos nas suas diferenças, nas suas organizações, encontrando os denominadores participativos, colaborativos e transformadores próprios. Por isso, que não podemos desperdiçar experiência alguma. Podemos, isto sim, edificar nas cidades e nos campos um mundo diferente, um mundo novo pensado e imaginado pelas maiorias e não apenas pelas elites dominantes na economia, na política e nas mídias.

PAULO BASSANI é sociólogo e professor da Universidade Estadual de Londrina

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