Uma grande mulher
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sexta-feira, 10 de março de 2017
Anos 50. Uma mulher jovem, quase uma adolescente, cabocla da roça, aventurando-se numa terra diferente, longe da família paterna, acolhida pela nova família a partir do casamento. Para os padrões da época tudo se conformava.
Mas a vida tem suas contingências. A doença transformou a realidade e empurrou para a mudança. De repente, a mulher, jovem demais e experiente de menos teve que respirar fundo e ir à luta. Viúva, pobre, jovem, bonita, duas filhas pequenas e mais dois na barriga, empreendeu uma caminhada sem trégua, ignorando os preconceitos, superando as fragilidades, mantendo-se firme e forte como deve ser uma mulher de verdade, resistindo às barreiras da opressão que até hoje cerca o ser feminino. O motivo para tanta resistência? Os filhos. Ela mesma costumava dizer que era uma galinha choca!
Abriu mão de um novo amor para sua vida que agora só tinha lugar para o trabalho e a responsabilidade de criar os filhos, provê-los, defendê-los. Instalou um pequeno bazar na cidade e, além do comércio, tornou-se uma grande costureira. Empreendedora, juntou seus talentos , aprimorou-se num curso de corte e costura por correspondência.
Tinha tantos amigos e amigas na cidade que até hoje me causa admiração: eram homens, moças auxiliares de costura, gente da roça, muitas comadres e compadres, vizinhos, mulheres "faladas" por serem sustentadas por homens bem casados. As novidades do bazar e as peças costuradas com perfeição faziam o sucesso e enlouqueciam as mulheres.
Contava com a ajuda dos meus avós paternos, das amigas e vizinhas, naquele tempo em que as pessoas costumavam se preocupar umas com as outras e existia um sentimento chamado "estima" que as tornava tão unidas! Costurava o dia inteiro, sem domingos, sem dias santos, e se estendia pela noite. Até hoje recordo o barulhinho da máquina de costura na madrugada.
Aproveitando o trabalho que deu certo, aprendeu, com um alfaiate amigo, a costurar roupas masculinas. Ninguém competia com ela. Era perfeita!
O tempo foi passando. Não me lembro de minha mãe saindo para se divertir, mas nossa casa era muito alegre e movimentada com o vaivém dos fregueses, principalmente das mulheres que traziam tecidos e mais tecidos - e ela aceitava todos. Os figurinos modernos me encantavam: vestidos de saias godê, plissadas, franzidas, drapeados maravilhosos, golas, decotes, pregas, bolsos,tecidos finos, de acordo com a última moda.
Minha mãe aprendeu a ser mulher com a vida - e vida dura! Versátil, inteligente, esperta, brava, sabia calcular, ler e escrever muito bem, possuindo o conhecimento básico numa época de puro analfabetismo. Foi, então, convidada pelo Prefeito para ser professora de 1ª a 4ª séries. Sua competência a tornou uma grande professora, amada e respeitada. Tinha um jeito de ensinar como ninguém!
Mãe e pai, referência em nossas vidas, gênio forte, amorosa e possessiva, cometeu muitos erros, mas muito mais acertos. Mais forte que todos os problemas, com unhas e dentes enfrentou o mundo!
Olhando para sua história, que chegou quase aos noventa anos, diante das histórias de tantas outras mulheres, penso com meus botões e costuro essa história: essa é a grande mulher que me ensinou a viver!
Estela Maria Frederico Ferreira, leitora da FOLHA