Anos 50. Uma mulher jovem, quase uma adolescente, cabocla da roça, aventurando-se numa terra diferente, longe da família paterna, acolhida pela nova família a partir do casamento. Para os padrões da época tudo se conformava.

Mas a vida tem suas contingências. A doença transformou a realidade e empurrou para a mudança. De repente, a mulher, jovem demais e experiente de menos teve que respirar fundo e ir à luta. Viúva, pobre, jovem, bonita, duas filhas pequenas e mais dois na barriga, empreendeu uma caminhada sem trégua, ignorando os preconceitos, superando as fragilidades, mantendo-se firme e forte como deve ser uma mulher de verdade, resistindo às barreiras da opressão que até hoje cerca o ser feminino. O motivo para tanta resistência? Os filhos. Ela mesma costumava dizer que era uma galinha choca!

Imagem ilustrativa da imagem Uma grande mulher



Abriu mão de um novo amor para sua vida que agora só tinha lugar para o trabalho e a responsabilidade de criar os filhos, provê-los, defendê-los. Instalou um pequeno bazar na cidade e, além do comércio, tornou-se uma grande costureira. Empreendedora, juntou seus talentos , aprimorou-se num curso de corte e costura por correspondência.

Tinha tantos amigos e amigas na cidade que até hoje me causa admiração: eram homens, moças auxiliares de costura, gente da roça, muitas comadres e compadres, vizinhos, mulheres "faladas" por serem sustentadas por homens bem casados. As novidades do bazar e as peças costuradas com perfeição faziam o sucesso e enlouqueciam as mulheres.

Contava com a ajuda dos meus avós paternos, das amigas e vizinhas, naquele tempo em que as pessoas costumavam se preocupar umas com as outras e existia um sentimento chamado "estima" que as tornava tão unidas! Costurava o dia inteiro, sem domingos, sem dias santos, e se estendia pela noite. Até hoje recordo o barulhinho da máquina de costura na madrugada.

Aproveitando o trabalho que deu certo, aprendeu, com um alfaiate amigo, a costurar roupas masculinas. Ninguém competia com ela. Era perfeita!

O tempo foi passando. Não me lembro de minha mãe saindo para se divertir, mas nossa casa era muito alegre e movimentada com o vaivém dos fregueses, principalmente das mulheres que traziam tecidos e mais tecidos - e ela aceitava todos. Os figurinos modernos me encantavam: vestidos de saias godê, plissadas, franzidas, drapeados maravilhosos, golas, decotes, pregas, bolsos,tecidos finos, de acordo com a última moda.

Minha mãe aprendeu a ser mulher com a vida - e vida dura! Versátil, inteligente, esperta, brava, sabia calcular, ler e escrever muito bem, possuindo o conhecimento básico numa época de puro analfabetismo. Foi, então, convidada pelo Prefeito para ser professora de 1ª a 4ª séries. Sua competência a tornou uma grande professora, amada e respeitada. Tinha um jeito de ensinar como ninguém!

Mãe e pai, referência em nossas vidas, gênio forte, amorosa e possessiva, cometeu muitos erros, mas muito mais acertos. Mais forte que todos os problemas, com unhas e dentes enfrentou o mundo!

Olhando para sua história, que chegou quase aos noventa anos, diante das histórias de tantas outras mulheres, penso com meus botões e costuro essa história: essa é a grande mulher que me ensinou a viver!

Estela Maria Frederico Ferreira, leitora da FOLHA