Imagem ilustrativa da imagem Um milagre muito improvável



Dia desses, logo cedo, eu me preparava para iniciar os trabalhos quando recebo um telefonema:

- Carol, você pode vir à minha casa? Preciso que alguém fotografe uma "coisa".

Era dona Alice do outro lado da linha. Mãe de uma grande amiga, essa senhora é uma das pessoas mais peculiares que já conheci na vida. Nos encontramos pela primeira vez quando me aproximei de Ana, sua filha, ainda na faculdade. Mais de 20 anos depois, ela é, sem sombra de dúvidas, uma dessas parentes que escolhemos por afinidade e não por DNA. Portanto, dada a urgência daquele telefonema, peguei meu celular e atravessei a Concha Acústica em direção à casa dela.

Dona Alice e eu temos muitas coisas em comum. Somos taurinas, muito teimosas e gostamos de ouvir e contar histórias. De modos que imaginei haver um bom causo por trás daquele chamado já no início da manhã. Minha grande amiga foi auxiliar de enfermagem em berçários até se aposentar e coleciona histórias sobre bebês. Durante toda a vida, acompanhou o nascimento de milhares de crianças e sempre transformou o início da vida em algo mágico. Eu, que amo os bebês e as crianças, nunca enjoei de ouvir aqueles relatos.

Por isso, quando subi as escadas do prédio e me deparei com ela agitada, na porta, me esperando para mostrar "um milagre", imaginei que tivesse algo a ver com nascimentos. E tinha mesmo. O que acabei descobrindo quando nos plantamos em frente a um vaso na lavanderia e ela falou:

- Olha essa mágica que aconteceu na minha casa!

Confesso que demorei um pouco para encontrar o "milagre". Mas apurei a visão e achei um pequeno tomatinho que brotou naquela porção de terra estéril, sem que ninguém tivesse plantado. Dona Alice estava eufórica com a história daquela fruta que não foi cultivada, mas que escolheu nascer justamente na lavanderia dela.

Diante do "milagre", concordei que o momento precisava ser registrado. Saquei o celular da bolsa e fiz várias fotos da minha amiga com a plantinha impertinente que ousou crescer em local improvável. As imagens liberaram Dona Alice para finalmente provar a fruta, o que aconteceria provavelmente no almoço daquele dia.

Após a sessão de fotos, sentamos na cozinha para tomar café e batemos um pouco de papo. Infelizmente, eu tinha que voltar ao trabalho, por isso me despedi dela com a garantia de que a história do milagre seria registrada. Hoje, quando me sentei em frente ao computador para narrar este Dedo de Prosa, fiquei pensando que os milagres não são especiais. Eles acontecem todos os dias, desde que tenhamos disposição para ir encontrá-los, mesmo que seja na forma de um tomate.

Carol Avansini, jornalista da FOLHA