Dia desses, meus amigos Toninho e Cida contaram que, preocupados com a alimentação, não estavam mais consumindo leite de caixinha longa vida. Segundo eles, para o leite durar tanto tempo naquela embalagem é preciso adicionar alguns componentes químicos. Dias depois, passando na padaria para comprar leite, lembrei da conversa e fui conferir os ingredientes do produto: leite de vaca pasteurizado e vários estabilizantes, com a prevalência de fosfatos. Fiz questão de observar a validade (três meses e dez dias) e as recomendações de guardar o leite na geladeira depois de aberto, consumir no prazo de quarenta e oito horas e de não fervê-lo para manter os valores nutritivos.

Fiquei pensando que meus amigos poderiam ter razão, por isso minha mulher estranhou quando cheguei da padaria e disse que iria mudar o hábito de beber leite, passando a consumir o produto na sua forma bruta, natural. Sem argumentos convincentes por não ter comprado o leite, eu disse a ela que existe uma grande discussão entre especialistas a respeito dos benefícios e malefícios do leite industrializado e sobre a necessidade do ser humano utilizar leite de outra espécie animal. Mas o que me deixou mais preocupado foi saber que, atualmente, apenas vinte por cento das embalagens longa vida passam por reciclagem.

Imagem ilustrativa da imagem Simples deleite



Dia vai, dia vem e num dia qualquer, vejo da varanda de casa que as vacas da chácara em frente continuam pastando, ruminando, tocando com persistência as moscas. É incrível como certos momentos nos fazem voltar ao passado, revivendo coisas que nos fizeram felizes. Foi o que ocorreu comigo após olhar aquelas vacas no pasto. Voltei algumas décadas no tempo, levando o pensamento à minha saudosa Tia Adélia e suas vacas.

Morávamos no interior e, às vezes, eu passava as férias na casa dela. Devido à alegria de viajar, nem sentia as três horas que o trem levava para percorrer os cinquenta quilômetros entre uma cidadezinha e a outra. Na chegada, mal cumprimentava os tios e primos e corria ao estábulo para ver as vaquinhas: "Baiana", "Barrosa" e "Branca", três vacas leiteiras de boa produção. A Baiana, da raça jersey, era marrom, com manchas pretas na cabeça; a Barrosa, da raça holandesa, malhada em branco e preto; a Branca, sem raça definida, claro, era branca.

Meus tios tinham nove filhos para tratar e ainda sobrava bastante leite, que vendiam pela vizinhança. A estrebaria ficava afastada da casa, perto de um pasto onde à tardinha depois de jogar futebol, ajudava os primos a recolher o gado. Antes do amanhecer Tia Adélia já estava na ordenha e de manhãzinha nos servia leite numa caneca de alumínio. Que delícia o leite quentinho no inverno, direto das tetas da vaca. Muitos anos se passaram e até hoje sinto o cheiro fresco do capim, ouço o doce mugido dos animais e vejo o sorriso da querida tia.

Não sei o que é mais aconselhável para a saúde humana: se é o leite em caixinha, na caneca ou leite em pó. Também não tenho conhecimentos para dizer se os seres humanos precisam beber leite a vida toda. O que posso garantir é que a experiência de vivenciar uma ordenha bebendo leite na caneca é bem mais interessante do que abrir uma caixinha longa vida.

Gerson Antonio Melatti é leitor da FOLHA.