Lembro de quando era criança e ia com meus pais fazer visitas na casa de alguém.

Se era algum parente que a gente fazia tempo que não via, era um alegria imensa. A família, muitas vezes reunida e as conversas iam longe. Falava-se de trabalho, da situação na lavoura, as dificuldades financeiras, de alguém que havia morrido, dos que haviam nascido, dos que estavam doentes, de quem havia comprado algum sítio, e também do que acontecia no mundo. As notícias eram muitas e tudo que fora comentado ficava sendo digerido e assimilado muito tempo depois. Não era como hoje que as informações são voláteis. Era tudo muito lento.

As visitas pareciam obedecer um padrão de conduta social. Primeiro a gente chegava e era recebido, depois sentava para conversar. As crianças em geral ficavam quietas ou falavam quando lhes perguntavam alguma coisa, e depois de um tempo vinha a hora do café. Daí já se sabia que os assuntos diminuíam e em breve a visita terminava.

Durante a hora do café, a mesa era farta e sempre tinha um pão feito em casa. Estar à mesa era comungar não só de alimentos mas também de amizade.

Quando a gente visitava meu tio Chiquinho e minha tia Terezinha em Cambé, lembro que o pão era feito com um fermento de litro. Esse tipo de fermento sempre se deixava um restinho no litro para dar prosseguimento para o crescimento das outras fornadas de pães. Segundo me lembro, aquele litro ficou muitos anos com fermento. Conversei com ela estes dias e me disse que não tem mais. Aquele litro fez muito fermento.

Imagem ilustrativa da imagem O bom hábito das visitas



As visitas eram uma coisa muito esperada .Quando se falava que ia na casa de algum parente era motivo de satisfação, reencontrar com os primos, ver os tios, a família era um elo grandioso de emoções que traziam em si uma sensação de pertencer a uma comunidade que tinha as mesmas ideias e os mesmos objetivos coletivos, mesmo que o objetivo individual de cada um fosse diferente. Todos queriam crescer, trabalhar, casar, ter filhos, progredir na vida e fazer sua vida. Não havia pretensões grandiosas, mas objetivos intrínsecos de épocas de muita economia por causa de tempos de escassez pelas quais passaram nossos pais e avós recém-saídos de época de guerras.

Era viver e economizar pensando no futuro. Minha vó Tereza Rotta, que ficou muitos anos entrevada numa cama, dizia:- "Guarda para o dia da febre".

Essa era sempre a tônica das conversas. Viver, trabalhar, economizar e conservar a família e os bens adquiridos com tanto suor. Uma luta diária.

Era tempo de relações sólidas de tempos sólidos onde se sabia exatamente o que fazer e o que não fazer, diferente de nossos tempos líquidos, que escorrem pelas mãos como água. As relações sociais, com toda a tecnologia que deveria unir o gênero humano, tem se dissolvido na superficialidade das redes sociais - que são um reflexo da falta de amar verdadeiramente. É isso. Falta amor.

Hoje não temos tempo para as visitas, conversamos por whatsapp e dizemos: - "Então tá, uma hora dessas a gente faz uma visita". E a visita fica por ali mesmo porque nunca temos tempo de fazer mais nada de tanta coisa que a tecnologia nos vende para aproveitar o mesmo tempo que não temos mais. Mas fica a ilusão que estamos ganhando tempo e temos todo o tempo do mundo.

Quer saber? Tem hora que a gente tem que desligar o celular e fazer aquela visita mesmo, quem sabe assim a gente sobrevive a tudo isso que acontece no mundo.




Dailton Martins, leitor da FOLHA