Em Bauru, interior de São Paulo, a Unesp, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, faz muita gente se mudar de mala e cuia para estudar, seja na graduação, mestrado e doutorado. Da capital ou de outros estados, a cidade universitária acolhe a todos. A mistura de sotaques e culturas só enriquece e, muito além de barezinhos e casas de show, Bauru possui muitos pensionatos, opção para muitos estudantes. Na quadra 2, número 19, funcionava um pensionato para 16 moças. Após uma tentativa frustrada de dividir um belo apartamento com uma moça já formada, mudei-me para o pensionato da turma de Jornalismo, tão logo uma vaga foi aberta.

Eram quatro quartos, com dois beliches cada. Para cada moça, um armário com chaves para roupas ou outros pertences, uma mesa de madeira no pé da janela e um outro armário com divisórias para os livros e materiais de estudo. Eram dois banheiros, um dentro e um fora. Todos de piso vermelhão. Um tanque. Varal coberto e varal a céu aberto. No mesmo quintal, a dona da pensão, uma mulher jovem, dois bebês e marido, que as meninas da pensão chamavam de "Toiço", não só pelo sobrepeso, principalmente por não gostarem de seu trato com a esposa. Batia na mãe dos filhos, maltratava os bebês e era de sair para beber e encher a cara.

De madrugada, a dona do pensionato entrava em um dos quartos, já era tudo combinado e a Miriam, estudante de Direito de Uru, deixava que Marta estudasse para o sonhado concurso. Treinava na máquina de datilografar, lia e, com a luminária bem focada nos livros, queria uma vida melhor. Passou no concurso, tornou-se oficial de justiça e cada uma das meninas da pensão sentiu-se um pouco vitoriosa com aquela conquista.

Imagem ilustrativa da imagem Nos tempos do pensionato



O entra-e-sai de meninas, a mistura de cheiros na cozinha são algumas lembranças. A cozinha era nossa área de convívio comum. Víamos TV, conversávamos, líamos o jornal e observávamos umas às outras. Era na cozinha que nos assemelhávamos ou não. A Lilian, uma estudante de Arquitetura de São Paulo, lavava as folhas de alface com bucha e sabão, a Harumi sempre com as suas algas, mostrava fidelidade à culinária oriental. Marina, formada em Bioquímica e Farmácia, pouco falava e trabalhava no banco há anos. Elenildes sempre tinha assunto, e a sua Oeiras, no Piauí, saiu do mapa para o coração de cada uma de nós, tão ricas eras suas histórias sobre o tempo em que viveu no Nordeste. A Carol era de Campinas e a Érica, de Jundiaí, foi embora no segundo ano. Abriu mão do curso, disse que não conseguia ficar longe da família. E nos deixou. A Isabela, espevitada e divertida, também nos deixou, mas por conta de um AVC fulminante. Era de Amparo, SP. Nos feriados, sagrados ou não, era sagrado, pensão vazia. Formadas, cada uma seguiu seu rumo e Marta, a dona da pensão também. Virou oficial de justiça e na vida pessoal, também deu seu grito de liberdade e nos deixou grande lição de perseverança.

Walkiria Vieira é repórter do jornal NOSSODIA