Devido à grande distância do litoral e necessidade de um local para lazer nos fins de semana e feriados, muitas pessoas da região de Londrina acabam adquirindo chácaras na beira de rios e represas, nos municípios de Jataizinho, Sertanópolis, Primeiro de Maio, Alvorada do Sul e Sertaneja, entre outros. São pessoas que gostam de pescar, cultivar hortas e pomares ou simplesmente aproveitar os encantos da natureza.

Diz a sabedoria popular que a compra de uma chácara traz duas grandes alegrias: a compra e depois, quem sabe um dia, a venda. Quem possui ou já teve chácara sabe que dá muito trabalho para ajeitar um lugar desses. Ciente disso e apesar do olhar de censura da minha esposa, Lourdinha, não teve outro jeito e acabei comprando o tão desejado lote na beira da represa Capivara, formada pelas águas do Rio Paranapanema.

Antes mesmo de fechar o negócio, passei dias pensando no nome que daria ao lugar: Recanto dos Colibris, Morada dos Vaga-lumes, Ninho dos Mandruvás... Sem decidir como se chamariam aqueles cinco mil metros quadrados de terra bruta, comecei a preparar o local. Arados antigos, matracas, enxadões, rastelos e outras ferramentas de agricultura rudimentar, peças de carroças e arreios de todo tipo, ao lado da roda d’água e monjolo, tudo debaixo de um caminho formado por areca-bambus, deixaram um ar bucólico logo na entrada da chácara.

Imagem ilustrativa da imagem Hibiscos, ipês e passarada



Em todo o lado direito do terreno, logo depois da gruta em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, plantei uma centena de hibiscos, enfileirados, variando seus tons de cores a cada dezena. Do outro lado, fiz o mesmo com as matizes dos ipês: branco, roxo, amarelo e rosa. Debaixo dessas arvores formei um imenso canteiro de ixórias vermelhas, lilases e brancas. Não me preocupei com a construção da moradia, pois optei por uma casa pequena pré-fabricada em madeira, mas com uma grande varanda voltada para o leste, pra ver o sol nascer.

Para acompanhar a obra, carregar mudas e materiais de construção, realizei um antigo desejo: comprei um jipe willys 1965 todo original, uma autêntica relíquia. Claro que ela, a Lourdinha, fez cara feia e deu uma bronca quando apareceram manchas de óleo no piso da garagem. Pronta a moradia, concentrei esforços no meu maior desejo: plantar árvores. Para isso reservei três mil metros quadrados, pedi conselhos a pessoas entendidas e comecei a trabalhar.

Numa metade dessa área introduzi espécies frutíferas que atraem passarinhos: pitanga, goiaba, amora, jabuticaba, caqui, banana, gabiroba, araticum, mamão, romã. Logo vieram os bem-te-vis, sabiás, tico-ticos, sanhaços, beija-flores, saíras, azulões, cambacicas, tucanos e periquitos. Na outra metade plantei árvores nativas da mata atlântica que dão flores e sombra, além de canela, manacá, limão-rosa, aroeira, mulungu, louro, erva-mate, urucum e palmito, para usar como especiarias.

Com a chácara formada achei que, enfim, estava perto de alcançar a felicidade. Porém, numa manhã de domingo acordei bem cedo e dei conta que estava em nossa casa, na cidade. Ao meu lado, ela dormia serena e parecia esboçar um sorriso. Fui até a cozinha, passei um café, espiei na garagem e vi que não havia lá sequer rastros de um jipe, bem como nada na casa deixava pistas de que ali morava um dono de chácara de beira de rio. Fiquei intrigado: será que tudo não passou de um sonho? Não sei. Mas se foi, já valeu à pena, pois não dizem que a gente sempre pode sonhar?

Gerson Antonio Melatti, leitor da FOLHA