Imagem ilustrativa da imagem Dentista na roça



Dentista na roça era uma coisa rara, mas havia. Lembro de uma reportagem da Folha de Londrina com um dentista itinerante que contou como ia nos sítios antigamente e tratava os dentes de famílias inteiras. Era tudo manual. Tinha motorzinho movido na base do pedal e tudo muito precário, mas era o que se fazia na época. Depois de certo tempo as pessoas começaram a ir para a cidade tratar os dentes. Muitos iam só pra extraí-los e colocar dentaduras. Não havia aquele cuidado necessário para a conservação bucal que a higiene nos ensina hoje. Ninguém imaginava que existiria o fio dental. Palito de dentes era um item de luxo sobre a mesa da cozinha, depois do palito de fósforo que muita gente tinha a mania de deixar na boca por um tempão depois das refeições. Escova e pasta de dente não era uma prioridade no sítio naquela época.

Dentista era ao mesmo tempo respeitado e chamado de doutor - assim como temido - porque tinha aquele barulhinho do motor do consultório. Ziiiiiiiim! E as mãos se agarravam à cadeira. Tinha também a anestesia. Ah! A anestesia era uma taquicardia especial. Quando tinha que fazer a tal de "abturação" dava vontade de sair correndo pra não sofrer a agulhada. E canal então, nem se fale. Hoje tem dentista que quase nem usa anestesia e já existe motorzinho sem barulho. Não se fala mais em obturação, mas sim em restauração. E os implantes são coisas mais acessíveis. Não há mais tantas dentaduras, mas próteses que são quase uma obra de arte.

E o cheiro do consultório, claro, não podia faltar. Era aquele cheiro de cravo, daqueles que se colocam em doces. Lembro de quando era criança e ia num dentista aqui em Londrina que foi referência por muitos anos pra muita gente. Qualquer problema em dente na família e lá vinha meu pai dizendo: "-Precisa ir no Constantino". Ele sempre foi uma pessoa formidável, mas o medo da sua cadeira de dentista era uma coisa impressionante.

Chegando lá havia uma escada com piso em pedriscos - moda na época -, em meio caracol, e no alto um corredor. A ansiedade era pior do que o tratamento do dente. E ficávamos ali, meu pai e eu esperando a hora marcada. Havia umas cadeiras e um objeto muito peculiar: um móvel pequeno e alto com espelho onde se colocavam guarda-chuvas. Era quase uma marca registrada do consultório. Fico pensando quantas pessoas não passaram pela presença daquele objeto silencioso e útil que permaneceu durante anos no canto da sala de espera. Lembro de apenas uma vez ter chegado em dia de chuva ali.

De repente, a porta da frente se abria e aparecia o Constantino sempre sorridente, apertava a mão da gente como bons amigos que não se viam há muito tempo, e lá íamos nós para saber o que aconteceu, se era dente quebrado por doce ou pipoca. Bom era quando já saía do consultório com o dente tratado. E o sofrimento tinha ficado na espera. Era um alívio. Depois ia tomar um sorvete no Sávio, do outro lado da rua, a uns dois quarteirões. Era o combinado. Primeiro ir no dentista, depois tomar sorvete. A imaginação de criança é uma coisa extraordinária e tudo era um tratamento simples e coisa rápida. Não havia o costume de ir ao dentista a cada seis meses como hoje, a gente só ia quando o dente estava doendo. Dentista naquela época fazia até demais porque tinha que salvar dente que já não tinha muita esperança.

Outro dia conversei com o Constantino, continua a mesma pessoa de sempre e com os mesmos cabelos brancos que o acompanham desde que me lembro. Quando o cumprimentei ele deu o mesmo sorriso e aperto de mão. Disse que quando me viu lembrou de meu pai e isso me fez muito feliz. Continua no mesmo consultório e trabalha, talvez não no mesmo ritmo de antigamente por causa da idade, mas é um exemplo de trabalho, competência assim como dedicação à profissão e ao ser humano.

Dailton Martins, leitor da FOLHA