A família toda lamentou, teve gente que chorou de canto, quando soube que o pé de limão iria ao chão, tão logo a obra do terreno na rua Uirapuru começasse. Dá pra entender. Afinal, foram anos e anos de colheita. Conversas e mais conversas debaixo do limoeiro. Enquanto colhia-se o fruto azedo, a gente falava das novidades, lembrava situações da semana e a prosa corria solta.
As crianças, também espertinhas na lida, já sabiam como escapar dos espinhos e entre os miúdos e graúdos limões, chegavam exibindo ora as sacolinhas, ora as saias e vestidos, forrados da pelota verde. Serviu para o tempero de salada, a limonada ou para o desjejum com água morna aos adeptos do detox matinal.

Eita limãozinho abençoado. Já virou também cobertura de bolo, mousse de limão e para os amantes da caipirinha, tinha caldo suficiente. De baixa caloria e rico em potássio, vitamina A, B6, B12, C, D, Cálcio, Ferro e Magnésio, o limão merecia uma ode, ou um textinho que o deixasse vivo, ao menos na memória.

Imagem ilustrativa da imagem A última limonada
| Foto: Shutterstock



O fato é esse. Quis o destino que a planta do arquiteto não contemplasse a planta, que há tanto tempo ali viveu. Nem a planta, nem o pé, nem o fruto e nem a sombra. Agora, postos ao chão, entrarão as personagens para as rodas de conversa como lembranças. Não feito drama, mas que eram bons os tempos em que o pé carregado servia até para as brincadeiras de criança. Comidinha de barro nas panelas, jogos de burquinha, tudo ao pé do sombreiro.
Por vezes, cheio de flores, o limoeiro ostentava frutos em galhos que chegavam a tocar o chão. Os pesadinhos, ali caídos, também não passavam despercebidos. E graças a última colheita, na gaveta da geladeira ainda há limões. Para o suco, a salada, o doce. A última limonada certamente vai ganhar uma jarra à altura da braveza do limoeiro.

A notícia é amarga para os moradores da avenida Beija-flor, das alamedas Quero-quero, Saracuru, entre outras da Ilha em Carlópolis. Falam que o pé de limão resistiu a tanto vento, a tantas chuvas, não apresentava uma praga e, mesmo condenado, foi fértil até a derrubada. A mais jovem da família, aos seis anos, ainda perguntou se não dava para replantar em outro terreno.

Enfim, brindemos então ao limoeiro e aos que resistem em outros terrenos desocupados ou calçadas. Com instinto, a natureza faz sua parte – o movimento dos pássaros é constante - e já podemos ver que há outros pés de limões que resistem aos novos projetos arquitetônicos.


Walkiria Vieira, jornalista do Grupo Folha de Comunicação