Imagem ilustrativa da imagem Poeticamente incorreto?
| Foto: Marco Jacobsen



No último dia 19 ele completaria 103 anos. Não está mais entre nós, partiu em 1980 quando tinha apenas 66 anos, e todo mundo concorda que ele deixou o Brasil mais bonito. O poeta Vinícius de Moraes foi um dos criadores da bossa nova, cantou as praias de norte a sul do país e tudo em seus versos ficava lindo, dizem até que deixou Heloísa Pinheiro, a Garota de Ipanema, mais bonita do que ela realmente era.
Sem entrar no mérito das homenagens, o fato é que se vivesse hoje Vinícius talvez se desse mal pela forma agora considerada machista com que celebrou a mulher. Neste quesito, repertório nunca faltou a ele, casou-se nove vezes, de Beatriz Azevedo de Mello – conhecida como Tati de Moraes – a Gilda de Queiroz Mattoso, sua última esposa, foram tantos poemas, tantos versos, tantas cantadas que 36 anos depois de sua morte decerto ainda faltam inéditos em sua biografia.
Ele esteve em Londrina para shows. Lembro-me de um, no Teatro Ouro Verde, em que brindava as mulheres sentadas nas primeiras filas olhando-as de forma maliciosa e passando a língua lentamente sobre os lábios como quem diz: "Vou te comer". Lembro-me de uma amiga comentando o fato entre o encantamento e o pudor pela provocação libidinosa. O fato é que se ainda estivesse aqui e usasse a mesma irreverência, Vinícius provocaria alguns BOs ou motivaria escândalos indo parar na lista das feministas por assédio.

Alguns de seus poemas e letras de música são exagerados, a começar pelo verso célebre : "As feias que me desculpem, mas beleza é fundamental", no qual ele enaltece as privilegiadas e trata as desprovidas de beleza de forma depreciativa. O fato é com este verso ele escolhe a beleza como qualidade das mulheres que mereciam seu amor, quem sabe o amor dos homens que tomaram a frase como uma sentença repetindo-a sempre que a situação combina com o recado.
Tem ainda aqueles outros versos: "Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza, qualquer coisa de triste… Um molejo de amor machucado, uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher, feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor e para ser só perdão". Ditas hoje, essas palavras decerto mereceriam a crítica ou o desdém de muitas mulheres que não aceitam mais a condição submissa de "sofrer pelo seu amor e para ser só perdão."
Ao mesmo tempo, ele faz promessas que poderiam constar no diário de qualquer Don Juan: "eu prometo ser somente seu teu e amar-te como ninguém jamais amou." Grande mentira, mas dita assim dá para imaginar uma porção de mulheres virando os olhinhos e perdoando o amado mesmo que ele seja um campeão de infidelidades. O fato é que no tempo de Vinícius as coisas funcionavam de outra maneira e a fama de conquistador era motivo de orgulho, quando não um ponto de atração para ingênuas que sonhavam em seduzir "o pior de todos."
Entre o sofrimento das submissas e as feias descartadas, tem também muito verso delicado, poemas que qualquer mulher gostaria de inspirar e só por eles a gente desculpa os deslizes de Vinícius e põe seus discos para tocar perdoando o poeta que também pedia perdão dizendo com a maior cara de pau:"Você voltou, meu amor, que alegria que me deu...É verdade, eu reconheço, eu tantas fiz mas agora tanto faz."
Mas se você já está aí suspirando por um tipo tão encantador quanto perigoso como esse poetinha, saiba que ele era inspirado até para dar o fora e por isso escreveu com muita habilidade para comunicar o fim de um amor: "por que será que o nosso assunto já se acabou, que o que era junto se separou, que o que era grande definhou? É muito triste quando se sente tudo morrer. E ainda existe o amor que mente para esconder que o amor presente não tem mais nada a dizer." Foi com estes versos que ele se despediu de uma de suas musas deixando também aos mortais um dos maiores ensinamentos sobre o amor romântico: "que não seja imortal posto que é a chama, mas que seja infinito enquanto dure." Só por isso, Vinícius, você já está perdoado. Mas vê se não apronta tantas onde estiver ou mesmo na próxima encarnação na qual, sinceramente, torço para que você nasça mulher e feia pra gente sussurrar aquele verso célebre em seu ouvido.