Era domingo quando atravessei a rua Piauí em direção aos Correios e dei uns cinco passos na calçada. Na esquina me chamou a atenção a voz de um homem que conversava baixinho com as fotografias históricas que ficam ali, num suporte metálico, para mostrar à população os pontos importantes da cidade. Londrina há muito tempo foi mapeada de modo que as pessoas sabem onde ficam seus marcos de civilização.
O homem, de uns 60 anos, estava mal vestido e levava uma mala de rodinhas. Na outra mão, várias sacolas e um pedaço de papelão davam a pista de que estava se mudando, tinha chegado de viagem ou, quem sabe, nem tenha mais endereço. Era um homem, entre tantos outros, que perambulava pelo centro aparentemente sem destino. Tenho encontrado muitos assim, nesta condição de transeunte sem referências e sem pátria. Não é difícil imaginar que atrás deles se arrasta uma história, dessas com agá mesmo, além de outras que são fruto da invenção e da emoção.

Quando percebi que ele conversava com as fotografias, apontando o dedo para cada uma delas e se lembrando: "já vi isso, já vi aquilo", voltei cinco passos e resolvi falar com ele para entender seus "diálogos" com as coisas mudas. Já vi bêbados conversar com postes, velhinhas falarem com santos em igrejas, mas nunca tinha visto um homem conversando com fotografias e comunicando aos desavisados: "quando vocês vêm com o verde, eu já vou com o maduro," num sinal de sabedoria em relação aos que puseram aquelas fotos num espaço público.
Antonio me disse então que conhecia Londrina de ponta a ponta e passou a desfiar nomes de bairros dos quais nunca ouvi falar. Mas seus maiores pontos de referência eram o Tiro de Guerra e a Amel - Associação de Amparo ao Menor. Sua insistência, ao conversar com as fotografias, era repetir "nunca deveriam desmanchar a Escola Suely Ireide", onde ele estudou e, segundo seu relato, é um ponto histórico de grande importância. Confesso que nunca tinha ouvido falar da tal escola e pedi a ele que repetisse o nome três vezes na tentativa de entender exatamente o sobrenome daquela que batizou o estabelecimento que lhe trazia lembranças afetivas. Um problema de fala impedia que eu compreendesse corretamente o nome da escola que ele repetia travando a língua, mas à beira do choro. Descobri depois uma escola chamada Suely Idehira, no bairro Aeroporto, fundada em 1968.

Imagem ilustrativa da imagem O homem que conversava com fotografias
| Foto: Ilustração: Marco Jacobsen



Soube que ele foi um menino que passou pelo Lar Anália Franco quando me disse completando a informação: "um juiz me adotou" e assim fiquei sabendo, sem maiores detalhes, que ele havia passado a infância como um garoto sem pai nem mãe para o qual um nome de escola soa como um lar de verdade.
O desconhecido insistiu sobre outras construções da cidade que não nunca deveriam ser desmanchadas, citou os barracões de café e eu concordei que são prédios lindos para os quais sonho um futuro que não seja uma mera pilha de tijolos. Meu sonho, como o de Antonio, é que essas construções permaneçam em pé, dando notícias de uma época distante, de um acontecimento histórico, de um ciclo que perfura o tempo, registrando uma existência de memórias e a possibilidade de novos usos.
A conversa com o homem que falava com as fotografias foi um flashback de sua própria história. O nome da escola que lhe trouxe lembranças, o diálogo com as coisas emudecidas, o fio do passado em conexão com o presente traziam a Antonio pedaços de sua vida, fragmentos de experiências únicas de um menino adotado que amou sua cidade. Era Dia das Mães, naquele domingo, quando o desconhecido ficou parado na esquina dos Correios falando com imagens como quem fala com um álbum de família. Percebi que ele conversava com a cidade como quem reencontra a mãe, o pai, todos os parentes imaginários de seu mundo urbano, profundo e solitário como só os moradores de rua podem ter.