A imagem foi encontrada nas águas do rio Paraíba do Sul, no dia 17 de outubro de 1717, por três pescadores. Alguns dizem que eram escravos, outros dizem que eram homens livres. Mas o fato de João, Domingos e Felipe terem encontrado no rio a imagem em terracota de Nossa Senhora Aparecida talvez justifique a ideia do capitão José Correia Leite, um rico senhor da região de Guaratinguetá (SP), ter deixado alguns escravos para seus herdeiros que tinham o mesmo nome dos três pescadores, podendo ser, portanto, as mesmas pessoas.
Eram dias difíceis nos quais a escravidão pulsava – e ainda pulsa - como uma ferida, e a imagem de uma santa negra parecia ser um dos primeiros sinais em torno da união daquela que seria a Padroeira do Brasil. No último dia 12, como em todos os anos, lembrei-me de minha mãe que me deixou uma pequena imagem que fazia parte da atmosfera azul do seu quarto, onde uma lâmpada de cabeceira, da mesma cor, servia para não incomodar seus bebês, caso acordassem à noite. Acredito que fui embalada muitas vezes com minha mãe de olho no manto azul de Nossa Senhora que nos protegia, com sua luz delicada.
Mas no longínquo ano de 1717, há 300 anos, a pequena imagem encontrada no rio veio quebrada na altura do pescoço, só foi vista inteira depois que fizeram uma repescagem e encontraram sua cabeça. Reconstituída, ela tinha 36 centímetros e pesava 2,5 kg. Sua pele enegrecida pode ser compreendida através de duas versões: a primeira diz que escureceu porque ficou mergulhada durante mais de 50 anos nas águas do Paraíba do Sul, um rio turvo onde aconteceu sua primeira "aparição". Segundo algumas pesquisas, a imagem foi esculpida no século 17 e encontrada no início do século 18. O Brasil herdou a arte dos santeiros portugueses e, para nossa felicidade, nosso acervo de imagens ao longo dos séculos é uma galeria de arte que faz de estados como Minas, Bahia e São Paulo um berço de beleza e fé.

Imagem ilustrativa da imagem Nossa Senhora e seus milagres azuis
| Foto: Ilustração: Marco Jacobsen



Por outro lado, há quem aposte na versão de que a imagem moldada com barro paulista ficou enegrecida pelos anos em que permaneceu exposta à luz de velas e candeeiros desde sua capela original, construída em 1745. O que importa é que numa versão ou outra, a pele negra da santa traz um significado profundo que nos impele a pensar que os acasos não existem, mas acontecem para nos dar sinais de que a igualdade não deve ser coisa apenas do Céu, mas também da Terra.
Ao ler matéria da BBC onde estão algumas das informações em que baseio meu texto, percebi que a segunda "aparição" de Nossa Senhora aconteceria em 1978, quando depois de uma tentativa de roubo desastrada, por um rapaz de apenas 19 anos, a santa caiu no chão e quebrou em muitos pedaços. Alguns acreditavam que ela nunca mais poderia ser reconstituída, mas a imagem foi enviada ao Museu de Arte de São Paulo (Masp) e a artista Maria Helena Chartuni, hoje com 75 anos, fez um trabalho de mestra, reconstruindo cada parte que redundou, de certa forma, na segunda "aparição" de Nossa Senhora. A metáfora da santa reconstituída duas vezes me faz compará-la ao Brasil do qual no momento também colamos os cacos, num ato de resiliência que mostra que sempre há "conserto", mesmo quando tudo parece perdido.
Um detalhe dessa imagem que atrai milhares de peregrinos todos anos ao Santuário de Aparecida, é que ela não traz o Menino Jesus no colo. Mas pesquisadores apontam que a santa está grávida, o que nos leva a pensar no futuro de um país em gestação que deverá encontrar a Luz que veio pelas águas do Paraíba do Sul. Isso nos mostra a fertilidade de uma nação na qual a diversidade de religiões e rios se cruzam para nos contar histórias tão bonitas quanto essa de Nossa Senhora da Conceição Aparecida e seus milagres azuis.

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