Nada como trabalhar com um foca, assim mesmo na versão masculina, quando se trata de jornalismo. "O" foca, para quem não sabe, é o jornalista novo, inexperiente, recém-saído da faculdade que chega às redações com uma vontade de trabalhar do tamanho do seu sonho. Eles oferecem todo tipo de pauta: de um novo CD a entrevistas com personagens polêmicos, isso quando não derrapam nas curvas e querem fazer textos sobre permacultura ou aliens em pleno carnaval. Brincadeiras à parte, o foca é um ser maravilhoso, perdi as contas de quantos passaram pelas editorias em que trabalhei nas últimas décadas. Chegam sempre com muito entusiasmo e quando têm suas matérias publicadas comemoram como um gol do LEC. O primeiro texto assinado a gente nunca esquece.
Na minha lista de focas constam jornalistas que se tornaram bons articulistas, críticos de teatro, colunistas de artes plásticas e mestres em incontáveis assuntos que preencheram páginas de sites e jornais.

Imagem ilustrativa da imagem Lá vem "o foca"
| Foto: Shutterstock



Sempre gostei de observar o valor que dão à profissão, ouvindo atentamente todos os detalhes da pauta, procurando dar o melhor de si através de um entusiasmo que devem levar dentro deles para o resto da vida. Todos nós devemos guardar um pouco do foca dentro de nós, não importa se você tem 10 ou 20 anos de profissão, no dia em que perder o sentido da novidade e aventura será apenas mais um burocrata da notícia sem vigor e, até mesmo, sem esperança.

Jornalismo não é profissão para acomodados, necessita uma dose de ousadia, um olhar atento às ruas, onde numa esquina pode estar uma de suas melhores pautas. A fila de namorados interrompendo o trânsito aos beijos dentro dos carros, despendido-se numa rodoviária, pode ser apenas um obstáculo para alguns, enquanto para o jornalista é uma oportunidade irrefutável de apontar o romantismo que sobrevive num mundo áspero.
Tenho a felicidade de ter atrás de mim uma fila de focas, além de outra à frente. Também tive bons mestres de quem fui foca e com quem aprendi a ousadia de pensar em pautas que dependiam de um bocado de desprendimento, como jogar sinuca com o escritor João Antônio numa de suas raras passagens por Londrina. A pauta era criativa e, à primeira vista, era demais para mim, mas foi assim que adquiri o sentido de também propor desafios para quem aparece agora no jornal como foca e, com uma alegria ímpar, vai e volta em busca de assuntos que possam render um bom samba.
Dos tempos de foca ainda me lembro de ser enviada para entrevistar uma pessoa desmemoriada, só soube do fato quando já estava em sua casa, de caneta em punho, pronta para uma entrevista convencional que acabou se transformando numa matéria que dependeu muito de observação, clima e pesquisa. Lições que transportei para o presente quando, dia desses, uma repórter de cultura foi entrevistar uma pessoa que está perdendo a memória. Mais uma vez o caminho a trilhar era observação, clima e pesquisa para formar um mosaico de ideias que refletisse aquela personalidade, transformando-se num perfil. O resultado foi um texto ótimo. Nossas experiências nunca são perdidas, mais que isso se repetem como situações que nos abrem horizontes novos para conseguir o melhor enfoque, mesmo quando se tira leite de pedras ou "depoimentos" de quem já não se lembra de nada.
O fato é que são bem-vindos os que chegam às redações com ideias, às vezes exagerando um pouco, derrapando nas pautas, mas quase sempre capazes de escrever um texto interessante sobre temas como permacultura ou ...aliens. A criatividade é o leitmotiv de uma profissão que se reinventa todo dia.