Naquele carnaval, a amiga de infância atravessou a rua vestida de odalisca, com uma fantasia de ofuscar a vista, azul-turquesa e dourada, coisa das Mil e uma Noites, dos sonhos de Sherazade, tesouro oculto revelado ao meio-dia. Eu não tinha fantasia, mas com a sombrinha multicolorida puxei o frevo com uma banda que não existia e diverti-me com a odalisca na calçada, graças à imaginação.

Naquele carnaval, no clube da cidade, havia uma menina fantasiada de pássaro de fogo. Maiô de lantejoulas vermelhas, plumas na cabeça, uma cauda que imitava a beleza de uma ave real. Mas a menina era tímida e sambava em cima da mesa onde a tia libanesa a colocava como um bibelô. Ela sorria com o canto da boca, mal movimentava as pernas, de vez em quando a tia a animava, punha quilos de confete ao seu alcance, a menina usava tudo aquilo constrangida e lançava serpentina como quem estende roupas no varal: levantando e recolhendo os braços sob o peso da obrigação.

Imagem ilustrativa da imagem Histórias de carnaval
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Naquele carnaval, fui à praia com o primeiro namorado, ele me chateou durante quatro dias, enciumado por eu ter tantos amigos e cantar nas rodas de violão, tomando sol como um lagarto de biquíni marrom. Voltamos do passeio brigando. Foi meu primeiro "divórcio", uma espécie de antecipação da rebeldia que determinaria rompimentos sempre que aparecesse alguém querendo ser meu dono. Foi meu primeiro "grito de carnaval" para um interlocutor que não entendia nada de confraternização, amizade e samba.

Naquele carnaval, quando já estava madura, troquei a folia pelo sossego do mar sem companhia, paisagens paradisíacas, praia deserta, castelos que fui construindo pelo prazer de dar forma aos pensamentos na areia molhada. Havia reinos e plantas, peixes e barcos, um mundo que eu fazia e desaparecia no dia seguinte levado pelas ondas. Foi o carnaval do efêmero, um gosto que levei pela vida afora para exercitar minhas emoções, livrando-me delas antes da Quarta-Feira de Cinzas.

Naquele carnaval, fui escaladada para ir ao Rio de Janeiro ver o samba do Salgueiro numa quadra, antes do desfile na avenida. Os ensaios transformavam as pessoas em guerreiras da batucada, nos preparativos, a cada hora, sambistas iam ganhando envolvimento e cadência. Momento mágico foi ver a sala dos troféus junto com mestre Louro, um ícone do carnaval carioca que tudo sabia de surdos e cuícas.

Naquele carnaval, levei meus filhos para a avenida e com um deles caí no samba de mãos dadas, ele era melhor passista do que eu. Braços para cá, pernas para lá, o menino se transformou num rei. Sim, "todo menino é um rei". O mestre-sala perfeito para uma porta-bandeira maternal e improvisada. Meu melhor troféu sempre será o seu sorriso, os pés infantis marcando o toque solene do surdo e o ritmo frenético dos tamborins.

Neste carnaval, fico longe da folia. Já tenho um samba-enredo completo e, sem cuíca, espalho pequenas histórias vividas, pequenas histórias contadas, como quem joga confete imaginário no salão.