Imagem ilustrativa da imagem À sombra de uma conversa
| Foto: Marco Jacobsen


Nesta época do ano começam a aparecer depoimentos de amigos sobre perdas, danos ou desejos que não se concretizaram. As dores individuais me tocam muito, são demonstrações da sensibilidade ferida em planos íntimos, nem sempre visíveis nas camadas de "personas" que vestimos na rede e na vida social. Mas a face humana sempre perfura as camadas e aparecem as dores causadas pela falta daquilo que mais precisamos neste mundo cru: afeto, na falta do que já partiu ou, simplesmente, nunca existiu.

Tenho amigas que não se casaram ou que esperam o grande amor. O grande amor talvez seja aquele que temos no momento e não a idealização de um relacionamento que não existe, a não ser nos filmes e romances. Olhando para trás percebo que talvez eu não tenha tido um grande amor, mas pequenos amores que fizeram minha vida melhor e dos quais guardo lembranças como um dia ensolarado no mar da Bahia, a euforia do primeiro encontro numa cidade desconhecida, as andanças por lugares que talvez não tivessem nenhuma graça a não ser naquele instante em que comer num restaurante nos leva à Grécia ou desembarcamos em Tóquio quando estamos apenas em São Paulo e pisamos ali mesmo, no bairro da Liberdade.
À amiga que lamenta que não teve marido nem filhos, como se a vida amorosa tivesse terminado, respondo que antes dos 40 anos todo sonho é possível e que depois também. Não lamento se meus amores se acabaram ou alguns nem aconteceram. Uma dose de humor pode consertar a sensação de maus tratos quando somos abandonados, mas percebemos que aquele antigo amor nos deixou por coisa pior porque não suportava nosso alcance, nosso voo ou sensibilidade. Tenho histórias assim, nas quais percebi que, no fim das contas, era muita areia para o caminhãozinho deles e, rindo, vazei.
Surpreendentemente, termino o ano de bem com a vida. Não tenho tudo o quero, mas o que preciso. E me sentindo assim, em estado de gratidão, abraço os que se sentem momentaneamente vazios.
Com a maturidade coloquei meus pequenos problemas em seu devido lugar, há problemas maiores bem aqui ao lado. Outro dia acordei com uma voz feminina pedindo socorro, a confusão logo acabou, mas aquela voz foi a síntese de muitos pedidos de ajuda que tenho ouvido. Só posso dizer que tenham paciência com suas angústias e perdas, nem sempre se ganha. Mas a ansiedade e a dor são próprias da espécie que tem a consciência dos riscos, das perdas e da morte, sem nenhum controle sobre essas circunstâncias. Só posso desejar que tomem o barco e atravessem o rio, sem levar o passado na bagagem. O passado quase sempre machuca mesmo quando se apresenta como uma lembrança remota de felicidade.

Viver no presente está sempre mais próximo da alegria, até mesmo quando estamos perdidos. Um dia vamos acalentar a sensibilidade sem doer tanto e sem enfiar punhais na angústia para que sangre. E desculpem-me a falta de saídas concretas para tantas coisas neste texto. A falta de saídas demonstra que nem tudo é perfeito, mas podemos conviver com as imperfeições sem mágoas. A vida é mesmo um sopro. Melhor não ficar macerando a pétala da fragilidade demasiadamente humana. Às vezes amanheço como uma planta que vê a luz e cresce. Nestes dias, quem quiser que se sente à sombra dessa conversa.

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