A incrível indústria da construção de São Paulo transformou a cidade ao longo das décadas de 1950 e 1960, colocando nas mãos dos brasileiros tendências de vanguarda observadas não só em edifícios como o emblemático Copan - com projeto de Oscar Niemeyer - como na explosão em massa de prédios funcionais. Esses edifícios, a exemplo do próprio Copan, consolidaram nos anos 1950 as quitinetes e apartamentos que convivem com o comércio nas galerias dos edifícios das quais temos cópias em outras cidades brasileiras, incluindo Londrina (leia texto na página 4).
O livro "São Paulo nas Alturas", de Raul Juste Lores (editora Três Letras/ 2017), aborda a revolução modernista da arquitetura e do mercado imobiliário de São Paulo nestas décadas. O autor percorre as transformações da arquitetura paulistana tendo como contraponto a do Rio de Janeiro – então a maior cidade do Brasil, com cerca de 2.300 milhões de habitantes. As duas cidades competiam ao traçar a modernidade brasileira nas suas construções, incluindo os prédios públicos e privados.
Obedecendo a modelos do mercado imobiliário americano, Otávio Frias de Oliveira, que depois se tornaria dono do jornal Folha de S.Paulo, equipou a indústria da construção com novas ideias juntamente com seu sócio Orozimbo Roxo Loureiro. Eles foram os primeiros a vender "apartamentos na planta", a preço de custo, financiando assim o próprio negócio através do Banco Nacional Imobiliário – BNI.
Para ideias de negócios tão arrojadas era necessária uma contrapartida arquitetônica. Assim, aproveitando a influência de grandes arquitetos europeus que chegaram ao Brasil no período da Segunda Guerra e o modelo imobiliário americano, o Brasil nadou de braçadas no mercado da construção contando ainda com uma vantagem: arquitetos brasileiros eram altamente competitivos mesmo na presença dos estrangeiros e firmaram em pouco tempo a marca registrada da arquitetura brasileira moderna. Essas vanguardas se cruzaram tendo nomes emblemáticos da arquitetura nacional e internacional propondo e realizando projetos ousados tanto em São Paulo quanto no Rio.

Imagem ilustrativa da imagem A pátria das pranchetas
| Foto: Ilustração: Marco Jacobsen



Mas havia uma competição entre arquitetos cariocas e paulistanos, Niemeyer chegou a agredir Rino Levi no Rio, após o paulistano criticar a originalidade do carioca num evento em Caracas. Ao mesmo tempo, arquitetos estrangeiros como o suíço Max Bill, também criticavam Niemeyer, além da turma alinhada a Pietro e Lina Bo Bardi que tinha outras ideias. A competição acontecia pau a pau ou prancheta a prancheta, criando-se um verdadeiro cabo de guerra na defesa de tendências e influências.
Mas nesta troca de experiências e farpas também havia ganhos. São Paulo contou com profissionais como Franz Heep, um esteta da simplicidade, principal arquiteto das quitinetes nos anos 1950, que trouxe para o Brasil as tendências da expressiva vanguarda europeia, como a Bauhaus. Heep saiu da Alemanha com a ascensão de Hitler fugindo com a esposa Elisabeth, que era judia, e uma filha. Aqui projetou, por exemplo, o emblemático edifício Itália (1954-1956), em São Paulo, reunindo a educação bauhausiana e a experiência adquirida como assistente de Le Corbusier em sua passagem pela França.
O período contou ainda com a façanha de unir arquitetos ligados ao comunismo – como o próprio Niemeyer que era filiado ao PCB - com o boom imobiliário do capitalismo americano. A mistura justifica a frase do crítico de arte Mário Pedrosa que vaticinou: "Somos um país condenado ao moderno." Essa euforia, certamente arrefeceu nas décadas seguintes quando o gosto e as disputas pela arquitetura moderna, que traz em seu cerne uma profunda preocupação estética, cedeu à padronização com edifícios e condomínios que tem a comercialização como principal objetivo, reduzindo-se cada vez mais os espaços da criatividade. Segundo o autor do livro, a partir dos anos 1970, a arquitetura e o mercado se divorciaram.