Peruanos e polinésios disputam a criação do surfe. A única certeza é que ele nasceu no Oceano Pacífico e, talvez por isso, eu me sinta tão pacificada quando vejo moças e rapazes deslizando sobre suas pranchas. Eu me senti assim na última quarta-feira quando Gabriel Medina venceu mais uma etapa em Peniche (Portugal) e agora segue rumo à final do Circuito Mundial (WCT), que deverá acontecer em dezembro. A estrela de Medina brilha. Não tenho palavras para descrever a sensação que ele causa quando entra e sai dos tubos marítimos como um campeão que torna possível o que para mim parece impossível: pegar ondas, entrar dentro delas e sair do outro lado como quem desce de uma escada rolante.
Medina ainda me tira o fôlego quando faz seus "aéreos", manobras com a prancha a alguns metros de altura que me fazem pensar que ele levita como se fosse um mago. Na verdade, o surfe, mais que um esporte, é arte, cinema, pintura que se materializa no corpo plástico de um homem em perfeita sincronia com o mar.

No país em que todos falam de futebol, o surfe ainda não merece a devida atenção, nem os canais fechados transmitiram o campeonato em Peniche, embora nosso Neymar das ondas estivesse lá para mostrar que o Brasil não é lugar de um único esporte. Vi na telinha do celular campeões brasileiros como Medina, Adriano de Souza e Miguel Pupo levarem para os mares do mundo a bandeira do país que tem uma das maiores costas marítimas do planeta. Seus dribles acontecem dentro d’água, seus gols são líquidos e certos, feitos com as pranchas que aderem a seus pés como veículos do outro mundo.

Imagem ilustrativa da imagem A pacificação do surfe
| Foto: Ilustração: Marco Jacobsen



Entre os polinésios, quem tinha a melhor prancha era o líder da tribo, sempre o mais habilidoso nas ondas, que ganhava também a prancha feita com a melhor árvore. Muitos séculos se passaram até a universalização do surfe que chegou à Califórnia no início do século 20 e fez a fama de pessoas que formaram a "turma de Waikiki", dentre elas George Freeth e Duke Kahanamoku, considerados os primeiros "beach boys". Antes disso, o surfe era conhecido no Havaí onde, desde o fim de 1700, os nativos o praticavam com uma habilidade que irritou os missionários calvinistas britânicos que, a partir de 1882, chegaram à ilha para impor sua religião e oprimir os costumes nativos. A velha história da religião que censura qualquer sinal de liberdade.
Não existe nada mais livre que um surfista e suas ondas, um corpo que vem e vai numa prática de autocontrole físico, que é também controle mental, e isso basta como medida de uma espiritualidade que não está só nas igrejas, mas nos templos da natureza cujo maior exemplo é o mar. Penso que o surfe não é apenas um esporte dos homens, mas dos deuses que nos levam ao impossível. Então, Aloha! Que significa simplesmente "oi" e "tchau", mas que nas origens é a palavra usada como demonstração de "afeto, paz, misericórdia e compaixão". Precisa dizer mais?