Rei Arthur: filme que custou 150 milhões de dólares, fora o gasto com  o lançamento, não tem méritos artísticos
Rei Arthur: filme que custou 150 milhões de dólares, fora o gasto com o lançamento, não tem méritos artísticos | Foto: Divulgação



Sem efeitos especiais, às custas quase cem por cento de minha fervilhante imagística juvenil, cresci cavaleiro lutando espada de pau, cavalgando vassoura, vestindo camisolão branco com uma cruz vermelha pintada no peito e tendo como única inspiração cinematográfica uma aventura histórica da Metro Goldwyn Mayer chamada "Os Cavaleiros da Távola Redonda", fantasiosa e ideológica como só Hollywood sabia fazer. Entre ofendido e indignado, vendo "Rei Arthur e a Lenda da Espada", me lembrei da rica pobreza da minha brincadeira de menino. Pois então: agora puseram uma fortuna na mão do diretor Guy Ritchie (ex-Mr. Madonna) e ele conseguiu inventar não só uma imensa bobagem sobre a lenda de Arthur como fez um dos piores filmes do ano. Arrisque-se se quiser, o lançamento nacional está na cidade a partir desta quinta-feira (18).
Há cerca de dez anos encomendaram a Ritchie a reciclagem das aventuras de Sherlock Holmes. Foi uma aposta, e até que foi premiada, com resultados (foram dois filmes, com Robert Downey Jr. como o detetive e Jude Law como Watson) satisfatórios – fala-se de um terceiro filme com a dupla. Agora, a mesma coisa. A ideia foi que este "Arthur" iria iniciar uma saga (e tudo parece posto para uma continuação); mas pelo que assisti isto não vai acontecer, já que praticamente inexistem méritos artísticos e o risco é enorme para um filme que custou mais de 150 milhões de dólares, excluído o custo com o lançamento mundial.
Ritchie não teve a mais remota ideia (também é co-roteirista) do que fazer com um bom material previamente criado, ou pelo talento de outras pessoas ou por uma longa tradição cultural. Sua praia com certeza não são os filmes de época, e sua fama como diretor se origina em trabalhos que são puro movimento, mas onde o movimento em si mesmo e o esteticismo eram o próprio sentido de seus filmes. Lembram-se de "Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes", "Snatch – Porcos e Diamantes", "Rock’n’Rolla, a Grande Roubada" e "Revolver" ? todos filmes policiais sobre uma gama de tipos pilantras das ruas de Londres, ladrões, assassinos e que tais. Essas histórias tinham uma certa graça, esperteza narrativa e bons elencos. Agora, em "Rei Arthur", a coisa está posta assim: a habitual parafernália visual de Ritchie não encontra quase nenhuma sustentação entre conflitos elementares e personagens sem espessura nem carisma. Porque o problema principal do filme não é tanto seu escasso rigor histórico, suas licenças e caprichos ou seus momentos absurdos (risíveis, sem que sejam passagens de comédia). É o desequilíbrio de tudo.
A intenção é clara: construir uma história épica na trilha de "Senhor dos Aneis" (batalhas massificadas, cavaleiros, magos e feiticeiras que introduzem elementos fantásticos na clássica lenda medieval de Camelot e a espada Excalibur). Mas tudo dominado pela estilização, efeitos de montagem e ritmo de taquicardia que são a marca de fábrica de Ritchie, que a esta altura da carreira propõe ainda uma falsa modernidade a reboque de sua enxurrada de estímulos.
Quanto ao conteúdo em si, não se condena – e é inclusive saudável – que "Rei Arthur: A Lenda da Espada" não tenha a mínima vontade de respeitar a mitologia arturiana. Ela mesma, a mitologia, tem contradições e diferentes versões ao longo dos séculos. Versões livres não tem nenhuma consequência nos resultados artísticos, mas neste caso o que incomoda é que nunca se sabe em que direção vai o filme, que também não conta com a ajuda de seu elenco principal – seja pelo esforçado good looking Charlie Hunnam (Arthur), seja na figura de vilão de cartilha de Jude Law como o despótico rei Vortigern.
Personagem fascinante, lenda provavelmente proveniente de mais de uma pessoa real, Arthur é muito mais que um mito. Para (re) contar sua história, não era necessário ser tão bombástico, espetacular e incrível – há bruxas, um exército obscuro, há serpentes, elefantes ainda maiores que em "O Senhor dos Anéis". Talvez a maior influência seja de "300", mas há muitas outras. Não parece provável que o público se deixe influenciar muito pela espetaculosidade do começo e pelo estilo videogame do final: os primeiros números da bilheteria americana foram péssimos, com evidente rejeição. Já anunciado, o próximo filme de Ritchie é uma adaptação da história de Aladim com atores. Resta saber se a Disney vai bancar o projeto.