‘Me Chame Pelo Meu Nome’: no fundo, o filme é sobre a distância que separa, aproxima e volta a separar
‘Me Chame Pelo Meu Nome’: no fundo, o filme é sobre a distância que separa, aproxima e volta a separar | Foto: Reprodução



Assim escrito, aparentemente curto e grosso, parece que o tema proposto vai enveredar pelas bobagens em tons de cinza. Mas...trata-se de um dos melhores lançamentos deste início de ano, um dos filmes mais luminosos, encantadores e plenos de sincera jovialidade destinado a ser uma honrosa exceção por um bom tempo. É "Me Chame Pelo Meu Nome", estreando nesta quinta-feira (18) em circuito nacional (em Londrina num único endereço), embora já circulando na clandestinidade.
"Se soubesse o pouco que sei das coisas que importam", diz Elio a Oliver, os dois personagens centrais deste filme com chances de reunir um respeitável número de nominações para o Oscar marcado para 4 de março. A frase serve para iniciar uma conversa essencialmente elíptica sobre uma dessas coisas que o mais jovem (Elio, 17) ainda não sabe, e sobre a qual o mais velho (Oliver, 24) se nega a falar: o amor. O diálogo acontece naquela que poderia ser a cena central do filme: o diretor, o italiano Luca Guadagnino, segue seus protagonistas à distância, enquanto cada um circunda uma praça até se encontrarem a meio caminho. O filme se entrega naquele momento: no fundo, ele é sobre essa distância, essa que separa, aproxima e volta a separar. Separar o adolescente muito culto, Elio, que sabe qualquer detalhe da Primeira Guerra Mundial mas desconhece como o amor é importante; e o escritor estadunidense Oliver, que está de visita à casa da família de Elio.

IDÍLICA FUSÃO - Estamos no norte da Itália, na Lombardia, região que oferece uma idílica fusão entre natureza, arte, cultura, inovação, tecnologia e moda. É o verão de 1983, tempo de eleições gerais, um detalhe que se observa a partir de uma acalorada conversa de sobremesa e da propaganda eleitoral que se pode ver ao fundo na praça onde Elio e Oliver falam do amor, embora sem explicitá-lo. O contexto é assim um dos múltiplos elementos de um filme não raro impressionista, cheio de detalhes: o calor do verão, a relação próxima entre Elio e seus pais, a origem judia de seus personagens, a homossexualidade, as diferenças de idade, a alta cultura como principal base para um equilíbrio – embora vestindo uma camiseta dos Talking Heads, Elio toca piano imitando Liszt e Bach.
A família do adolescente Elio, um cara legal que é capaz de amar democraticamente tanto os Psychedelic Furs como a música clássica, é poliglota, estudiosa, progressista e...rica. O prazer da alta cultura se mescla assim com o status da classe alta. A família passa o verão na casa da Lombardia lendo, pensando, conversando. E Elio vivenciando este entorno, em ritmo de espera... Uma das chaves do filme é, então, este antecipar-se àquilo que está por chegar. Elio passa por toda a narrativa querendo ser uma pessoa que todavia ainda não conhece. Sabemos que ele poderá conseguir o que deseja, mas também que tudo pode desaparecer rapidamente. Quando Oliver se instala em sua casa como estudante que chegou para ajudar o pai de Elio, o diretor Guadagnino extrai a atração e o desejo através de uma certa distância, como se o convidado fosse uma das estátuas clássicas que pontuam o relato.
Para idolatrar, primeiro faz falta olhar. "Me Chame Pelo Meu Nome" é um filme sobre o ato de olhar, primeiro o exterior, depois internamente. Ao final, ambos se encontram um no outro. Outra chave para o filme é esse nome próprio com o qual ambos se chamam e que já esta apontada no título, "porque ele é mais do que eu mesmo". É um filme de grande beleza, e obviamente não apenas plástica. Uma obra tão cuidadosa quanto ambiciosa, ao retratar a matéria-prima – o desejo – com a qual trabalha. Observa com extremado carinho os tempos do amor. O território do desejo e a descoberta do romance e do sexo são filtrados a partir de olhares, de silêncios.
Importante notar, e muito, a defesa que o filme faz da erudição como outro prazer da vida, comparável à descoberta da sexualidade e do primeiro amor como motores do relato principal.
Embora partindo de lugares comuns, "Call me by your name" foge de grandiloquências e reviravoltas impossíveis. O importante aqui não é o artifício, mas o efeito que ele tem sobre os personagens. O espectador se agarra a esta história de iniciação da mesma forma que Elio termina se apaixonando por Oliver: pouco a pouco, mas sem volta. Entre todas as boas decisões tomadas pelo diretor italiano, talvez a de maior acerto seja deixar o clímax da história respirar. Da mesma forma que o roteiro do veterano (e em forma, aos 91) James Ivory ("Vestígios do Dia") constrói a história de amor, Guadagnino se despede dela.