Longa está focado em um grupo de 400 mil soldados britânicos que foram cercados pelos alemães na Segunda Guerra Mundial na costa do norte da França
Longa está focado em um grupo de 400 mil soldados britânicos que foram cercados pelos alemães na Segunda Guerra Mundial na costa do norte da França | Foto: Divulgação



Christopher Nolan é o cineasta da trilogia dark de Batman (2005-2012), de "Memento", "Insônia", "A Origem", "Interestelar". Nem todos gostam. Sua lista de detratores é mais extensa que a de seguidores. "Dunquerque" (tradução literal do título original "Dunkirk" e que a distribuição brasileira desprezou) é seu filme mais recente, e chega nesta quinta-feira (27) ao circuito nacional. Para ambas as facções, contra ou a favor, vale assinalar que o filme tem várias diferenças e algumas semelhanças com a obra anterior do diretor britânico.

É a primeira vez que Nolan adapta um caso real, o que impõe limites ao que se pode "inventar" ou ficcionalizar, já que os fatos históricos apresentados no filme podem ser facilmente conferidos na Wikipedia. "Dunquerque" está focado em um grupo de 400 mil soldados britânicos que foram cercados pelos alemães na Segunda Guerra Mundial na costa do norte da França. Ali eles esperam ser resgatados pelos ingleses (que estão a apenas alguns poucos quilômetros) em uma operação extremamente arriscada por causa do terreno – uma grande extensão de praia aberta – e pelo ataque dos aviões inimigos que podem facilmente impedir que navios de resgate possam entrar ou sair dali, além de outros problemas estratégicos que o filme revela ao longo de sua duração (106 minutos, quase nada perto de várias narrativas anteriores de Nolan).

O diretor divide a história em três cenários (terra, mar e ar), mas o que é mais importante em se tratando dele, Nolan, é que cada cenário tem um tempo narrativo diferente, que não corresponde ao dos outros dois. Na praia, a narração ocupa uma semana, e trata especialmente de três soldados (um deles é o ex One Direction, Harry Styles, em grande estreia frente às câmeras) que tentam de qualquer maneira encontrar um jeito de alcançar algum barco e sumir dali. No mar, o foco é um barco particular inglês com três pessoas a bordo: pai (Mark Rylance), filho e amigo do filho, rumo a Dunquerque para resgatar soldados. Por ultimo, no ar, dois pilotos da RAF (um deles é Tom Hardy) perseguindo e sendo caçados por aviões da Luftwaffe enquanto tentam proteger soldados desprotegidos na praia e os barcos que chegam para fazer o resgate. Este segmento "ar" se estende por cerca de uma hora.

Barry Keoghan é um dos intérpretes de cenas dramáticas poderosas
Barry Keoghan é um dos intérpretes de cenas dramáticas poderosas



Nolan volta a demonstrar seu gosto por construções temporais intrincadas (lembram-se de "A Origem"?), já que "Dunquerque" resulta em estrutura um pouco mais complexa do que aparenta – a montagem, embora pareça paralela, na verdade não é: por mais que a história passe continuamente de um cenário a outro, durante boa parte do relato os momentos narrativos não se correspondem entre si. Mas não se assustem. Não há nada a temer. Nolan facilitou as coisas para todos. Não há aqui, ao contrário de outros títulos seus, aquele sufoco causado por uma trama submersa em textos desnecessários, expositivos/explicativos. Apenas um cartaz no início da situação bélica e um texto simplificado informa ao espectador quanto dura o que será visto em terra, mar e ar. E só.

A partir daí, "Dunquerque" funciona como filme quase mudo, com pouquíssimos e simples diálogos, minimamente necessários para fazer funcionar certas cenas dramáticas mais poderosas, com personagens interpretados por Kenneth Branach, Cillian Murphy e Barry Keoghan. Mix engenhoso de thriller de suspense e drama bélico esvaziado das exasperantes conotações de mamute da indústria, "Dunquerque" é cinema em que o risco e a audácia narrativa andam de mãos dadas. Mas isto é nenhuma surpresa, vindo de um dos mais ousados e revolucionários contadores de história do cinema contemporâneo. Autor na completa acepção cinéfila do termo, Nolan talvez seja o único a integrar elementos de cinema de arte à configuração de blockbuster. É, sem dúvida, o cinema desejado para este século.