Filme é um western quase de manual, no qual Logan é visto como um pistoleiro solitário que assume funções protetoras
Filme é um western quase de manual, no qual Logan é visto como um pistoleiro solitário que assume funções protetoras | Foto: Fotos: Reprodução



Podemos iniciar esta conversa questionando o sentido que há em escrever uma crítica sobre "Logan". Sim, porque a série de franquias interconectadas de super-heróis que a Marvel desenvolveu nos últimos anos funciona segundo sua própria lógica interna, somada a mecanismos de promoção mundial muito mais fortes que o poder que possam ter juízos de valor midiáticos. A criação de um mundo fictício amplo, como bem demonstram as muitas sagas anteriores (StarWars, StarTreck, Harry Potter, Senhor dos Anéis, etc, etc), é sinal evidente de que a fidelidade do fã está garantida. E fortalecida. A partir deste ponto de vista, a figura do crítico, na verdade, não tem muito a dizer. Para o fã, o que de fato importa é a forma com que cada nova produção cria conexões e amplia questões tratadas anteriormente em prequelas. Interesses muito distantes do que pode destacar a crítica especializada. Ao seguidor da Marvel, afinal, somente outro seguidor da Marvel pode oferecer uma aproximação melhor à história. Assim, para aqueles que tem conhecimento e posição inflexivelmente firmados a respeito de Marvel e de seus super-heróis – Logan/Wolverine em especial, neste momento – o que se vai ler a seguir importa pouco ou nada.
Mas sem pisar em ovos, e mirando objetivamente naquilo que se viu, é justo afirmar que "Logan" é o filme de super-herói que faz a mais clara aposta no sombrio, no turbulento, no desglamourizado, no "sujo" – para extrair desta linha a sua razão de ser. E esta afirmação, para deixar claro às patrulhas ideológicas em alerta máximo (ou alguém é tão ingênuo a ponto de negar ou subestimar a premissa de que ideologia não convive com entretenimento?), é um elogio que faço ao filme. O retrato de Logan, aliás James Lowell, seu nome verdadeiro: envelhecido, máscara de rosto retorcido pela dor causada pelo adamatium, alcoolista, potencialmente autodestrutivo, cuidador de um professor Xavier inválido e mentalmente deteriorado. A intenção, como o diretor James Mangold não demora a explicitar citando "Shane/Os Brutos Também Amam" (George Stevens, 1953), é acolher os códigos do western. Para garantir a sobrevida de alguns poucos mutantes num mundo que dizimou os mutantes.
Um western quase de manual. Logan como o pistoleiro solitário e errante que assume funções protetoras de início não desejadas a partir da garota Laura, co-protagonista. A dialética entre o deslocamento de Logan rumo a um lugar calmo e de paz, impossível para ele. O tom desmistificador, tratando de assimilar a vertente mais crepuscular e pessimista do gênero. E, finalmente, uma espécie de terra prometida como último fragmento de esperança. Acrescente-se a tudo isto a aposta pelo desmanche da ordem física que molda todas as sequências de ação, uma ação um tanto mais dosificada e muito mais violenta que o habitual.
O tom buscado pela direção parece bem claro. Mas ainda assim, "Logan" não é um filme que se liberte facilmente dos limites do status Marvel. A conspiração paranoica das experiências científicas como fonte do conflito, a necessidade de estímulo quase contínuo da ação, o caricaturesco do inimigo de plantão. E uma incômoda necessidade do excesso de uma violência muito além de gráfica, e curiosamente com efeito anestésico. E outro incômodo que de fato molesta: a inclusão de cenas sanguinolentas com crianças, e que se tornam críveis e efetivas ao fazer com que o espectador as assuma como espetáculo ficcional. Se se pensa depois da saída do cinema, esta eficácia é algo de muito perturbador. Merecida a classificação R (Restricted) recebida nos Estados Unidos.
Um velho doente, um homem sem esperança e uma menina perdida são os protagonistas deste road movie que parte da fronteira do México rumo ao Canadá visando encontrar a salvação para apenas um deles. A viagem é puramente emocional, mas definidora. É uma trama que já se viu várias vezes no cinema, é certo (o homem que cai de seu pedestal de cinismo para se aproximar afetivamente da garota que poderia ser sua filha), mas dentro do gênero é toda uma novidade, porque ela detém os mesmos poderes que ele. A tal ponto o diretor Mangold respeita as regras do western e tem bem claro qual é o tema de seu filme que dedica quase meia hora a uma sequência em que o trio em fuga encontra uma família de fazendeiros ameaçada. Um recheio assim com ares bíblicos que bem poderia fazer parte de um filme dos anos 1950, não fosse a intromissão dos vilões e sua selvageria.
A garotinha Dafne Keen, que interpreta a pequena Laura, réplica infantil de Wolverine, é rosto de rara expressividade. E perde quando o mutismo e a mímica letal dão lugar à fala. De resto, um enxugamento de 15, 20 minutos só faria melhorar esta história, que é bem construída.