Chazelle decidiu lançar-se no perigoso terreno da homenagem ao clássico musical hollywoodiano, endossando a iconografia dos ambientes e do vestuário
Chazelle decidiu lançar-se no perigoso terreno da homenagem ao clássico musical hollywoodiano, endossando a iconografia dos ambientes e do vestuário | Foto: Fotos: Reprodução



Um congestionamento gigante em autoestrada de Los Angeles. A câmera percorre a lateral dos carros parados ao som de estações de rádio diversas. E para focando a motorista que começa a cantarolar a canção que está ouvindo. Pouco a pouco sua voz aumenta, a orquestração sobe de volume, a garota desce do carro e em segundos todos os ocupantes de veículos em fila a acompanham em coreografia colhida em plano aéreo. Em apenas três minutos, pouco mais, pouco menos (é o que dura a canção de abertura), "La La Land – Cantando as Estações" já mostra suas cartas à plateia (não todas: há mais na manga, que vão surgindo ao longo da fulgurante jornada a seguir). Neste prólogo, rodado em um único plano-sequência, está sintetizado todo o espírito lúdico do musical, um dos pilares do cinema americano. A referência para este início não é nenhum filme mítico de Hollywood, mas um momento muito parecido a abertura de "Duas Garotas Românticas" (Les Demoiselles de Rochefort), o musical francês com trilha de Michel Legrand e dirigido há exatos 50 anos por Jacques Demy, um cineasta encharcado pelas melhores influencias do gênero (confira a sequência em https://www.youtube.com/watch?v=1hvjhyL04c4&t=1s )

O diretor Damien Chazelle decidiu lançar-se no perigoso terreno da homenagem ao clássico musical hollywoodiano, endossando a iconografia dos ambientes e do vestuário colorido e próprio de produções emblemáticas como, por exemplo e entre outros, "Agora Seremos Felizes", comédia romântica de 1944 dirigida por Vincente Minnelli, com Judy Garland, e flagrando os sentimentos plasmados em canções através de uma câmera "voadora" na grua ao ritmo de sapateados no asfalto. Tudo o que se recorda com saudade de filmes com Fred Astaire, Ginger Rogers, Gene Kelly e Cid Charisse, todos aqueles ambientes de fundo pintado, luzes multicoloridas, falsas distâncias e deslavado romantismo (aqui um pós romantismo) reaparecem agora projetados com elegância, até chegar ao ponto no qual a direção opta pelas ambiguidades da ambientação que, embora sendo atual, se torna deliberadamente anacrônica em torno de Emma Stone e Ryan Gosling em roupas dos anos 1950 e preciosistas clubes de jazz.

‘La Land Land’: algumas sequências são irretocáveis como os musicais de antigamente
‘La Land Land’: algumas sequências são irretocáveis como os musicais de antigamente



É um jogo de formas, cores e sons musicais que proporciona tratar o dilema que define dois personagens: por um lado o dele, Sebástian, pianista desempregado, amante do jazz e da vertente musical mais purista; ela, Mia, aspirante a atriz que trabalha como atendente em cafeteria de um estúdio e que vai de teste em teste em busca de pequenos papeis em séries, segundo suas próprias palavras , "do tipo The O.C." E logo temos a relação amorosa em formato de crônica roteirizada com muito feeling e ternura, ao longo de um ano ficcional que vai se estruturando por estações e ambientado na cidade das estrelas, a cidade de Los Angeles, em "La La Land."
Depois de arrasar nos Globos de Ouro, levando sete prêmios dos sete a que aspirava,
o filme tem todos os trunfos para colecionar outro tanto de estatuetas em fevereiro, seja as inglesas do BAFTA, seja os Oscar. Porque é um musical como os de antigamente – à exceção de títulos como "Chicago" e "Os Miseráveis", com coreografias e abordagens que fazem pensar, além de Minnelli e Jacques Demy, também em Stanley Donen, Gene Kelly e Jerome Robbins. Mas com personalidade própria. O que se nota, sobretudo, na inclusão, com grande naturalidade, do jazz e da utilização dos ruídos cotidianos que se entrelaçam com os temas musicais – como na citada e memorável arrancada na autopista que faz pensar em obras primas como "West Side Story".
Roteirista e diretor, Damien Chazelle confirma a magnífica impressão causada com
"Whiplash", no qual estava também presente a música, concretamente o jazz. Surpreende seu sentido de ritmo, uma mise en scène majestosa, com momentos mágicos extraordinariamente coreografados por Mandy Moore (homônima da cantora e atriz da série "This is Us") – a sequência do planetário e a do clímax que acontece à noite no clube de jazz são irretocáveis.
"La La Land" é uma feliz e rara espécie de brinde aos insensatos que sonham, ainda que seus sonhos possam ter um travo de amargura. É sobre isso, e também sobre a trilha musical e o carinho pela cinefilia, que volto ao filme na próxima semana.