Fanny Ardant interpreta um transexual em ‘Lola Pater’, num enfoque doce, iluminado e sem sensacionalismo
Fanny Ardant interpreta um transexual em ‘Lola Pater’, num enfoque doce, iluminado e sem sensacionalismo | Foto: Reprodução



A mãe de Zino acaba de morrer. Tristeza imensa que o devora, sem que ele saiba, no entanto, que isso o levará a um nascimento. Quando pequeno, seus pais se separaram. E Zino perdeu a maioria das lembranças da figura paterna, que nunca mais viu durante os últimos vinte e cinco anos. E diante da inesperada morte da mãe, Zino parte em viagem ao sul da França para encontrar e dar a notícia dessa morte ao pai ausente, Farid, em outros tempos um bailarino argelino. Mas agora Zino bate de frente com Lola, professora de dança do ventre que vive com uma companheira. Lola é uma mulher com um olhar conhecido em uma aparência estranha. Há muito tempo Farid mudou de gênero, o que causou a separação e a saída de casa. Uma evasão em busca da felicidade, e que deixou muitas questões não resolvidas naquela Paris onde moravam. Aí está, num parágrafo, a síntese desta surpreendente estreia que chega ao circuito local para desafiar a teimosa mediocridade. Dirigido pelo franco-argelino Nadir Moknèche, "Lola Pater" nunca perde o controle deste conto comovedor sobre família, raízes e, sobretudo, sobre identidade, com uma Fanny Ardant esplendidamente sutil no papel de transexual.
A partir desse momento, pai e filho se reencontram sob novas condições. O roteiro arma uma terna intriga ao redor de temas difíceis e dolorosos sem ceder à tentação de exceder na dramatização. Há uma calculada (e às vezes prudente demais) distância, e também se injeta algum humor, evitando-se que a situação inusitada caia em chateação pomposa ou descambe para o vaudeville circense. Zino (Tewfik Jallab) descobrirá assim, rapidamente, o que é importante saber sobre seu pai, que agora é a bela e madura Lola, vivida maravilhosamente por Fanny Ardant. O desejo latente de encontrar esse pai desconhecido explode em rejeição no primeiro tête-à-tête de verdade, mas aos poucos a aceitação vai chegando e abrindo os sentimentos (Farid/Lola nunca se assume culpada): os personagens se aproximam e aprendem a se conhecer e a se reconciliar. Mais além da identidade sexual e de suas motivações, que Lola vai clareando lentamente ("você não imagina o sofrimento que significa habitar um corpo que não pertence a você!"), a quebra de um vínculo íntimo não vai desaparecer jamais: o abandono de um filho por seu pai. Lola Pater não entende a culpa e vai lutar para recuperar o filho perdido.
Apoiado em uma direção tão discreta quanto contida, a produção franco-belga "Lola Pater" é um filme bonito e a um só tempo modesto. Principalmente porque sabe como reprimir o lado folclórico que atualmente cerca a transexualidade, oferecendo ao grande público uma dimensão mais aberta de um tema que via de regra chega ao cinema em sua vertente mais sensacionalista. O enfoque é doce e iluminado, e deve muito à criteriosa e cativante escolha da dupla principal de atores e à sensibilidade de Nadir Moknèche, diretor com um sentido de ritmo narrativo especialmente agudo. "Lola Pater" pode às vezes ceder ao sentimentalismo (ainda assim comedido), mas a performance de Ardant segura tudo em nível de convincente realidade emocional.