‘Café com Canela’, da jovem dupla de estreantes Ary Rosa e Glenda Nicacio, fala sobre relações humanas e como elas podem enriquecer a vida das pessoas
‘Café com Canela’, da jovem dupla de estreantes Ary Rosa e Glenda Nicacio, fala sobre relações humanas e como elas podem enriquecer a vida das pessoas



Brasília - Bem recheada por uma curadoria atenta, a programação paralela do 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro só não reservou especificamente um nicho para debater uma premência: se bons filmes existem em generosa oferta atualmente no panorama da produção cinematográfica do país, de que maneira colocá-los ao alcance do público? Quem vai exibi-los, e qual poderia (e deveria) ser o recorte do circuito? De resto, a questão não é nova: a cada temporada, boa quantidade de títulos novos sai da linha de montagem em busca de visibilidade, em busca mesmo de sua razão maior de existir, isto é, o contato com o grande público na sala escura. Distribuidores existem, embora em número reduzido, e estão cumprindo com zelo sua parte. Mas e o exibidor?
De maneira um pouco mais, um pouco menos efusiva, os nove longas metragens selecionados e exibidos em Brasília estão experimentando aqui receptividade calorosa. Aplaudidos (alguns ovacionados), confirmam que o retorno do lado de cá da tela existe em boa medida, que os discursos foram entendidos e que eles têm a cara do país. Claro que, por sua própria natureza, não são filmes para centenas de salas e retumbantes golpes midiáticos. São histórias para circuitos menores, habitados por espectadores que sabem desde sempre diferenciar, com discernimento, aquela opaca estridência do blockbuster deste aconchego de uma proposta que retrata e ressalta a pluralidade humana daquilo que conhecemos como brasilidade.
Tem se falado muito, nos bastidores do Festival de Brasília, sobre uma virtude que permeia a maioria das realizações (e aqui os curtas também ganham espaço). É uma mostra carregada de afetos, em que os argumentos estão impregnados de calor humano. Coincidência? Talvez, mas o certo é que, no desconsolo diante de um Brasil corroído em suas entranhas e emocionalmente devastado pela ambiguidade moral de políticos e afins, os personagens dos filmes tentam afastar a névoa da perplexidade em busca de oxigenação e falando diretamente às emoções não contaminadas.

o drama intimista "Pendular", de Julia Murat, premiado no Festival de Berlim, é uma DR inventiva: mistura cinema, artes plásticas e dança.
o drama intimista "Pendular", de Julia Murat, premiado no Festival de Berlim, é uma DR inventiva: mistura cinema, artes plásticas e dança. | Foto: Fotos: Divulgação



À exceção dos "desafetos" da jornada inicial do festival, quando a malcriada intrusão dos patrulheiros raciais tentou desqualificar o longa metragem "Vazante", um dos melhores filmes da seleção, as produções que se sucederam na tela do Cine Brasília foram desenhando este mapa de afeições. O leve melodrama baiano "Café com Canela", da jovem dupla de estreantes Ary Rosa e Glenda Nicacio, formados em Cinema pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, fala sobre relações humanas, e como elas podem enriquecer a vida das pessoas.
Estreando hoje nas principais cidades brasileiras (Londrina não), o drama intimista "Pendular", premiado este ano no Festival de Berlim, é uma DR inventiva. No filme, um jovem casal se muda para um grande galpão industrial abandonado. Uma fita laranja colada no chão divide o espaço em duas partes iguais: à direita, o ateliê de escultura dele; à esquerda, o estúdio de dança dela. Dirigido por Julia Murat, o filme acontece neste ambiente onde arte, performance e intimidade se misturam; e onde os personagens perdem aos poucos a capacidade de distinguir entre seus projetos artísticos, o passado de cada um e sua relação amorosa, explorando a confiança e a vulnerabilidade inerentes às relações humanas. O longa-metragem mistura linguagens do cinema, das artes plásticas e da dança.

‘Construindo Pontes’ é uma espécie de acerto de contas da cineasta Heloísa Passos com o pai, engenheiro que trabalhou construindo rodovias,  pontes para a ditadura
‘Construindo Pontes’ é uma espécie de acerto de contas da cineasta Heloísa Passos com o pai, engenheiro que trabalhou construindo rodovias, pontes para a ditadura



A paranaense (radicada em São Paulo) Heloísa Passos concorre ao troféu Candango de melhor filme com "Construindo Pontes", uma espécie de acerto de contas da cineasta com o pai, Alvaro Passos, engenheiro que trabalhou construindo rodovias, ferrovias e pontes a serviço da ditadura nos anos do "Brasil Grande", ou à época do "milagre econômico". A cineasta e o pai interpretam a si mesmos neste documentário duro e ameno a um só tempo, sobre memórias familiares e embates políticos – em campos opostos , ele torce por Sergio Moro e ela, à esquerda, acredita que o juiz quer apenas tirar Lula da disputa à presidência ano que vem. O filme trata da possibilidade (difícil) de uma (re) conciliação entre polos opostos, entre gerações. Apesar de distantes, os paranaenses Heloisa e Alvaro empreendem juntos uma viagem aonde estiveram um dia as Sete Quedas, destruídas pelos militares para dar lugar ao projeto faraônico de Itaipu.

O jornalista viajou a convite da organização do festival.