Ben Affleck: seu protagonismo como o contador se salva sem ressalvas
Ben Affleck: seu protagonismo como o contador se salva sem ressalvas | Foto: Fotos: Reprodução



"Você gosta de quebra-cabeças ?" A pergunta quem faz é o personagem de J.K. Simmons, um diretor do Departamento do Tesouro dos EUA. É dirigida à sua nova agente. E a questão parece ao espectador não apenas retórica, mas com uma armadilha embutida. Porque "O Contador", lançamento nacional a partir de hoje, não espera uma resposta: quando a pergunta é lançada, o público já está mergulhado até o pescoço no imbróglio-cabeça com aspecto de thriller de ação e certa aura de filme de super-herói (ou anti-herói, atualmente mais adequado), no qual Ben Affleck é mais heróico que em seu recente Batman.
Christian Wolff , o contador do título, aliás um inteligente matemático, é tipo nebuloso, opaco, obscuro durante o dia; e um habilidoso, silencioso assassino à noite. É um homem que carrega a síndrome de Asperger, autista desde menino. Foi educado pelo pai com mão de ferro. Tem dificuldades para estabelecer empatia e adivinhar o que os outros sentem. Adulto, ele utiliza sua prodigiosa cabeça para promover a lavagem de contas de criminosos. Quando sua assessora recomenda um trabalho mais tranquilo, já que o Departamento do Tesouro anda desconfiado dele, Wolff passa a investigar irregularidades financeiras numa empresa de robótica. Mas o novo trabalho se mostrará muito mais perigoso que tudo que fazia antes.
É o papel que melhor caiu para Ben Affleck em muito tempo – quem sabe em toda sua carreira. E o diretor Gavin O’ Connor se esforça para que o filme tenha maior consistência que a infindável lista de thrillers de ação estreados nos últimos anos com ator protagonista tentando superar a típica crise de meia idade. Às vezes consegue. O’Connor, que tem um filho autista, converte este distúrbio do personagem de Affleck numa espécie de superpoder, a seu favor. O roteiro maneja diversos pontos de vista, e também joga com saltos temporais, especialmente os flashbacks da infância. A menção frequente ao conceito "quebra-cabeças" pode bem aplicar-se ao emaranhado narrativo, no qual as peças se encaixam às vezes penosamente, mas com bom ajuste. Pena que o desenlace forçado não esteja em harmonia com o todo.
A considerar negativamente: a obsessão pelo fator surpresa, evidentemente algo complicador; o excesso de sub tramas e personagens secundários; os flashbacks com o mal do didatismo. Mas há bons consolos, como algumas peças soltas: um Ben Affleck que, esperemos, se tome como exemplo para seu próximo Batman; Anna Kendrick, como a colega contadora munida de ácido sentido de humor de twitter aplicado à tela grande, e um elenco coadjuvante que garante a solidez da coluna vertebral do trabalho: J.K. Simmons, John Lithgow, Jeffrey Tambor e Jon Bernthal.

Christian Wolff, o personagem de Affleck: um tipo muito perigoso
Christian Wolff, o personagem de Affleck: um tipo muito perigoso



Mas no entanto o que torna "The Accountant" um filme único – o que não quer dizer o melhor do mundo... – e o eleva acima da vegetação rasteira do gênero é que o os "superpoderes" do personagem-título resultam de seu autismo. Seu treinamento anti-bullying quando criança lhe deu força, flexibilidade, expertise em artes marciais e tiro.
Assim, ele resulta alguém socialmente deslocado, uma espécie de Batman sem máscara e sem o traje.
Ben Affleck é alguém (in) capaz de colocar no limbo e de manter uma relação de amor e ódio com os espectadores. Convenceu em alguns trabalhos ("Argo" e "Dogma", em minha memória, e só), e o restante é deplorável. Neste caso, seu protagonismo como o contador se salva sem ressalvas, até porque tem carisma. Do ponto de vista sentimental, não deve ter tido problemas para compor este personagem matreiro, introvertido e quase frio. Feitos um para o outro.