Addie Moore (Jane Fonda) e Louis Waters (Robert Redford) são viúvos que se juntam para acabar com a solidão e a rotina
Addie Moore (Jane Fonda) e Louis Waters (Robert Redford) são viúvos que se juntam para acabar com a solidão e a rotina | Foto: Reprodução



Uma das características de várias produções Netflix (filmes, não séries) é a busca de um benéfico e interessante espaço de incorreção. Como as investidas que o satírico "Máquina de Guerra", de David Michôd, faz contra a política exterior da administração ianque, ou o ataque de "Okja", de Bong Joon-ho, contra a face mais mesquinha e desumana do universo corporativo. Um desejo de rebeldia que, no entanto, desaparece por completo na amável e acadêmica "Nossas Noites" (Our Souls at Night), um romance outonal protagonizado por Robert Redford (também coprodutor ) e Jane Fonda. Foi a quarta vez que a dupla de lendas vivas (81 ele, 79 ela) compartilha a tela - grande somente para o publico do Festival de Veneza, mas pequena para os assinantes Netflix em todo o mundo. Sua primeira colaboração foi há meio século, em "Caçada Humana" (Arthur Penn, 1966), embora seu trabalho mais lembrado seja o icônico "Descalços no Parque" (67). Seu último encontro frente às câmeras tinha sido em 1979 em "O Cavaleiro Elétrico", de Sidney Pollack. Toda uma vida de glamour cênico que converte este "Nossas Noites" em uma cálida cápsula do tempo até a terceira-quase-quarta idade.
Addie Moore (Fonda) e Louis Waters (Redford) são viúvos numa pequena cidade do Colorado. E embora vizinhos de cerca, a relação entre ambos sempre foi distante. Uma noite ela se apresenta à porta dele, e de maneira direta sugere que durmam juntos.
Não, não se trata de sexo, mas de estar com alguém bem perto, com quem se possa conectar, uma companhia para acabar com a solidão e a rotina que invadem as entranhas pouco a pouco como assassinas silenciosas. Apesar da perplexidade inicial, ele promete considerar a proposta singular que poderia se converter na bisbilhotice entre os locais além de surpreender os respectivos filhos adultos.
Com esta história que tem o recorte preciso de um telefilme de outros tempos, o diretor indiano Ritesh Badra – que mostrou sensibilidade para pequenas histórias íntimas em "Lunchbox" – fez um filme de abordagem simples que funciona bem acima do razoável. Porque o tratamento dado evita as estridências, sem negar as limitações próprias da idade mais avançada, ou as decisões que marcaram as respectivas trajetórias. E flui com naturalidade a relação de conveniência que se transforma em namoro, a ilusão de pessoas maduras que compartilham com o outro as experiências acumuladas, incluídas as tragédias (a morte da filha dela) e os dramas (o caso extraconjugal dele) que não faltam em nenhuma família. Inclusive o compartilhamento de Jamie, o neto dela, que funciona como alavanca de rejuvenescimento, como se de novo fosse dado a eles criar um filho.
Resulta impactante ver Redford tentando recriar a agilidade dos velhos tempos. É como ver um veterano esportista que conserva bem nítidas as recordações das façanhas, mas a quem faltam os reflexos. Velocidade é coisa do passado, enquanto a beleza e a elegância permanecem (inclusive a sensualidade). Os personagens se deitam com a elegância de quem vai a um baile de gala. A cama é, de fato, o centro nevrálgico da história de Addie e Louis. O nervosismo quase adolescente com que o casal prepara e enfrenta o reencontro com o sexo é um dos pontos altos da narrativa, já que envolve não apenas peculiaridades físicas e fisiológicas como também coloca contra a parede várias normas não escritas do contexto social do entorno onde vivem.
Se nunca mais atuassem em nenhum filme, "Nossas Noites" seria uma discreta porém inesquecível e muito digna despedida. Mas ela vem aí com uma comédia sobre a influência recebida após a leitura de "Cinquenta Tons de Cinza". E ele num thriller como um veterano ladrão de bancos às voltas com o último grande golpe. Merecemos esta imortalidade.