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Palavras
A lua cheia se engaralha no flamboiã. Engaralhar é quando a lua sobe pela árvore desfolhada, como se agarrando nos galhos. E o verbo engaralhar está aqui pela primeira vez na Língua, foi inventado agora.
Qual terá sido a primeira das palavras a ser inventada? "Sim" ou "não"? Sim soa fina e vertical como cabeça a assentir, Não soa larga como se abrindo os braços a obstar. Palavras não só falam como gesticulam, veja como vai e volta a palavra ioiô, como se fecha a palavra nó, como se abre a palavra horizonte, parece suspirar a palavra suspiro. E já na própria palavra o coco mostra que é oco.
Há palavras pedantes, como obséquio e séquito, por isso tão pouco faladas embora tão enfeitadas, e outras tão simplecas que nem parecem palavras mas são campeãs de falação, como né. Palavrinha humanamente contraditória, mistura de ser e negar, não é?
Inconsútil, quantas vezes li esta palavra e, primeiro por preguiça, depois por pirraça, nunca fui ao dicionário, até o dia em que resolvi desteimar e descobri que inconsútil é apenas "sem costuras". Foi decepção só comparável a "indelével", que não se pode apagar ou esquecer. Por que não inapagável? A Língua gosta de brincar de difícil, como menina que se pinta de mulher e fica irreconhecível.
Consta que a sentença do juiz Moro, condenando ex-presidente, não tem aquele palavrório togado e empolado chamado juridiquês, são 218 páginas só com palavras que qualquer cidadão entende. A eficácia da simplicidade, muitas vezes tão distante da Justiça.
As palavras mais simples falam muito, como "assim". Lembro do professor Iran Martin Sanches em 1968, quando pichei os muros do Grupo Hugo Simas, onde era a então Faculdade de Letras, e ele, em vez de me denunciar à ditadura, chamou para conversa:
- Se quer propagar ideias, porque não escreve um jornal? A faculdade fornece papel e impressão, mas para você vender e pagar esse custo.
Segui sua ideia, ganhando assim lição de democracia e sustentabilidade, quando esta palavra nem existia. E ele sentenciou feliz:
- Quoci fa tutti! Assim se faz tudo!
Assim uma palavra me ensinou tanto! Obrigado, professor! E "obrigado" vem do Latim "obligato", estar atado ou ligado, como ficamos com alguém a quem devemos algo. Obrigado, palavras!

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| Foto: Dalva Vidotte/ Divulgação



Notícia da Chácara

CABELUDINHAS
Você está vendo aí cabeludinhas, frutinhas silvestres de pouca polpa mas, como toda fruta, com sabor único. E com gosto de infância, como tem as frutas silvestres.
Há mais de meio século, fui com outros meninos catar gabiroba nos campos da paulista Assis. As gabirobeiras nem chegavam a árvores, no solo ressecado dos pastos, eram apenas arbustos mas davam suas gabirobas para sempre, ou seja, para serem lembradas vida afora por aqueles meninos.
As goiabas vieram dos silvestres araçás, como também eram silvestres, ou seja, da selva, as jaboticabeiras e as pitangueiras, que também temos aqui na chácara. Quando é tempo delas, viro menino várias vezes por dia.
O sobrenome Silva também é silvestre, significando lá em Roma "aqueles que vem da selva". Mas tantos silvas vieram para as cidades, e as cidades cresceram tanto, enquanto os quintais diminuem e rareiam, que talvez no futuro ninguém lembre mais de frutas silvestres. Reinarão as frutas híbridas e polpudas, de grande produtividade agrícola e rendimento industrial. Ninguém mais arroxeará os dedos colhendo amoras no pé. Tomara porém que meninos continuem ao menos a trepar em árvores, últimos redutos da infância silvestre. Mas desconfio que só farão isso se lhes disserem que no alto o celular pega melhor...