Vó Tiana no seu quintal
Vó Tiana no seu quintal | Foto: Divulgação


Batata-doce
Existe doce mais doce que o doce de batata-doce? Sei é que pouco comi esse doce na infância de doces de mamão, de goiaba, de cidra, cocada, bananada, mas de batata quase nada.
Agora a batata-doce se tornou querida dos atletas, mas minhas ambições atléticas estão, como gostam os deputados, em recesso. Entretanto, por ser tão recomendada pelos nutricionistas, e porque gosto muito, resolvi, na idade em que resolvemos fazer o que gostamos e pronto, resolvi batatar todo dia, às vezes no almoço e na janta. Asso em papel-alumínio ou cozinho junto com o arroz integral (se for no arroz branco, dê uma pré-cozida na batata).

Vó Tiana picava a batata-doce, no prato com leite e farinha de milho, daí despejava melado, era café da manhã inesquecível. Agora há nova variedade, roxa, mais uma das maravilhas que a Embrapa nos dá, queria que Vó Tiana tivesse conhecido. Ela comprava as batatas na feira, mas seu dinheiro ficou tão curtinho que resolveu plantar no quintal. Alguém trouxe as ramas para plantio, ela deixou pernoitar na água no tanque de lavar roupa, e de manhãzinha me chamou:
- Você já está um moço, vem ajudar a vó.

Eu tinha menos de dez anos mas peguei a pá, que era da minha altura, me sentindo um baita homem. E já fui metendo a pá no chão, sentindo a terra dura, aí ela falou não:
- Vamos cavar ali onde pincho lixo faz tempo, a terra deve estar molinha.

A cada pazada, minhocas se contorciam ao sol. Ela deitou com carinho cada rama, cobri com terra e ela fez o sinal-da-cruz, Vó Tiana nada fazia sem a bênção de Deus. Depois só fui lembrar daquilo quando, tempo depois, ela mostrou as ramas se espalhando pelo chão. Então eu já quis pegar a pá mas ela falou que era preciso esperar mais. Já estava tão fraquinha que só passeava leve e lenta pelo quintal, visitando suas plantas e passarinhos soltos. Minha gaiola é o quintal, dizia.

Daí mudei para outra cidade, e só voltei a sua casa quando ela morreu, dois anos depois. Fui procurar o pé de batata-doce, só achei mato. Chorei apoiado na velha pá, e desconfio que ali comecei a me tornar homem. Plantei árvores, fiz filhos, escrevi livros mas, quando como batata-doce, viro de novo o menino para quem Vó Tiana tirava batata-doce do forno a lenha e dizia come, come pra você virar homem. E é por isso que até hoje minhas batatas-doces são mais doces.


Imagem ilustrativa da imagem AOS DOMINGOS PELLEGRINI
| Foto: Shutterstock


Oração da Manhã

Olhando para a frente, quando deita você não sabe se acordará, e, olhando para trás, nem lembra de quando perdeu seus dentes-de-leite, então aceite.
Aceite que pode ser dia azul ou cinza, você só não deve levantar ranzinza.
Aceite que pode ser um dia belo, o pé saindo da cama já encontrando o chinelo, ou pode ser um daqueles dias em que problemas se alternam com probleminhas.
Aceite que problemas são como cascas a descascar para chegar às frutas, e você pode descascar com desgosto, malfrutando, ou com gosto, já desfrutando.
Aceite que você vive com gente, portanto sujeito a humores e preconceitos, inveja e até ira, nada porém que não se dissolva se você usar os dentes - para sorrir!
Aceite que o trabalho cansa mas alegra, a rotina te ampara mas o imprevisto te desperta.
Aceite que o amor é passarinho e perde a magia, se não for tratado com carinho todo dia.
Aceite que é sempre teu último e único dia, então agradeça, sinta o cheiro do vento, o sabor do momento, a graça das pequenezas, a imensidão por dentro.
Aceite tudo sabendo que tudo te completa e nada te fará mal se você souber bem aceitar.
Ame e amém.