Imagem ilustrativa da imagem Setembro Verde destaca importância da doação de órgãos


Aos 14 anos, Ricardo Nascimento da Silva, hoje com 21 anos, vivia uma vida de sonhos adormecidos. Portador de insuficiência renal crônica desde quando era bebê, foi na adolescência que ele passou a depender da hemodiálise para viver, o que o obrigava a passar três dias da semana preso a uma máquina. "Queria passear, viajar e sonhava em ter um emprego, trabalhar... Mas minha vida era ir para a clínica", recorda.

Graças a um gesto de solidariedade de uma família desconhecida que decidiu pela doação dos rins de um familiar morto, a vida de Ricardo mudou. Depois de mais de três anos de espera na fila do transplante, ele conseguiu um doador de rim e hoje comemora o "renascimento". "Estudo administração, trabalho na área de logística e consigo ter uma vida normal", diz.

Assim como Silva, milhares de pessoas esperam pela oportunidade de renascer por meio da doação de órgãos. Por isso, está sendo celebrado o "Setembro Verde", mês dedicado a lembrar as pessoas sobre a importância da doação de órgãos para salvar vidas. O mote da campanha de 2017 é "Fale em Vida", um alerta para que as pessoas manifestem a intenção de serem doadores.

Em Londrina, a data está sendo lembrada por uma série de eventos. No Shopping Boulevard, a exposição fotográfica "Fale em Vida", organizada pelo Hospital Evangélico de Londrina, expõe 11 fotografias em tamanho ampliado de pessoas transplantadas e de famílias doadoras. As imagens, de autoria de Ana Luisa Vazzi, são acompanhadas de depoimentos que retratam o gesto de amor daqueles que querem que a vida continue e a mudança na vida daqueles que recebem o transplante.

Para conscientizar a população sobre a importância da doação de órgãos, a Secretaria Municipal de Saúde irá introduzir, durante o mês de setembro, o tema nos grupos conduzidos pelo NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família), nas Unidades Básicas de Saúde do Município.

"Graças a essa família que doou um rim, estou vivendo momentos maravilhosos. Vou me formar, tenho meu trabalho, enfim, tenho uma vida", celebra Ricardo Nascimento da Silva
"Graças a essa família que doou um rim, estou vivendo momentos maravilhosos. Vou me formar, tenho meu trabalho, enfim, tenho uma vida", celebra Ricardo Nascimento da Silva | Foto: Gustavo Carneiro



No dia 30 de setembro, às 16 horas, no Aterro do Lago Igapó, será realizada mais uma ação da campanha, a "Caminhada Verde". Nesse dia os profissionais da área de Educação Física do NASF estarão presentes, para auxiliar no percurso, bem como os participantes dos grupos conduzidos pelo núcleo.

A Secretaria Municipal de Educação também está apoiando a campanha, com divulgação das ações nas unidades escolares municipais, por diretores e coordenadores, que repassarão as informações para a comunidade. Também foram distribuídos cartazes com informações sobre o assunto para as escolas municipais.

O jovem Silva, que aos 14 anos não sabia se teria condições de ter uma vida normal, conta que ficava muito desanimado por depender de uma máquina para sobreviver. "Achava que ninguém ia me aceitar para o trabalho e não queria ter que viver de benefício", recorda ele, que lembra com emoção do dia em que, depois de outros dois alarmes falsos, finalmente conseguiu realizar o transplante. "Foi um momento único da minha vida, eu realmente nasci de novo", afirma.

Diante de tantas dificuldades, ele não teve dúvidas ao afirmar que a vida hoje é perfeita. "Tenho que ir ao médico, fazer exames periódicos, tomar remédios. Mas graças a essa família que doou um rim, estou vivendo momentos maravilhosos. Vou me formar, tenho meu trabalho, enfim, tenho uma vida", celebra.

A enfermeira da Comissão de Doação de Órgãos do Hospital Evangélico, Elizabeth Capelo Frois na exposição fotográfica "Fale em Vida", traz pessoas transplantadas e famílias doadoras
A enfermeira da Comissão de Doação de Órgãos do Hospital Evangélico, Elizabeth Capelo Frois na exposição fotográfica "Fale em Vida", traz pessoas transplantadas e famílias doadoras | Foto: Anderson Coelho



A história é parecida com a do aposentado Jurandir Homero dos Santos, 42, que aos 28 ficou dependente da hemodiálise por causa de uma nefrite. "Tive que sair do trabalho e gastei todo o dinheiro do acerto em busca de médicos para descobrir o que eu tinha. Quando recebi o diagnóstico correto, já tinha perdido os rins", lamenta.

Depois de 13 anos na fila o transplante, ele se submeteu ao procedimento há quase dois anos. Antes, porém, chegou a receber um rim da esposa, Maria Aparecida, que sofreu rejeição.

"Não foi fácil, mas sempre olhei para frente e pensei positivo. O tempo que fiquei na fila do transplante foi uma época de muitas perdas, não podia trabalhar, viajar ou até passear com a família", lembra.

Dos prazeres recuperados após a cirurgia, ele cita a delícia de beber água sem se preocupar. "O apoio da minha esposa e minhas filhas Suzana e Juliana foram fundamentais", diz ele, que depois do transplante faz questão de aproveitar ainda mais os momentos com a família.

Morte encefálica não é compreendida

Levar ao entendimento sobre o que significa a chamada "morte encefálica" ainda é a grande dificuldade das equipes que trabalham com doação de órgãos no Brasil. Por desconhecimento sobre o assunto, muitas famílias até são favoráveis à doação, mas não entendem que o parente está morto e, por isso, não autorizam.

A coordenadora da OPO (Organização de Procura de Órgãos) para transplantes, do Sistema Estadual de Transplantes, Ogle Pacchi, explica que, milenarmente, a morte sempre foi reconhecida quando o coração para de bater e a respiração cessa. Com o advento das UTIs (Unidade de Terapia Intensiva), porém, pessoas que perderam o controle do sistema nervoso central passam a ser mantidas por aparelhos até o cérebro se recuperar. Ocorre que, mesmo com suporte de equipamentos e medicamentos, alguns pacientes têm lesões tão graves que acabam sendo irreversíveis. "Isso é a chamada morte encefálica, quando a pessoa perde o controle do sistema nervoso central. Os órgãos não continuarão funcionando sem os aparelhos", explica.

Imagem ilustrativa da imagem Setembro Verde destaca importância da doação de órgãos


O protocolo brasileiro para diagnóstico da morte encefálica é rígido. Conforme a coordenadora, além de dois exames clínicos por médicos diferentes, são realizados arteriografia cerebral ou doppler transcraniano e também um eletroencefalograma. "Todos medem o fluxo cerebral. Se ele não existe, o paciente não tem chance de se recuperar", reforça. Quando isso ocorre, a equipe pode retirar do suporte e entregar o corpo para a família. Antes disso, porém, é possível autorizar a doação de órgãos. "Se retirar os aparelhos, o órgão não pode ser doado, pois em cinco minutos as células começam a morrer. A dificuldade é que as famílias entendam que se trata de uma pessoa morta com suporte terapêutico", enfatiza.

Diante da experiência de lidar com o tema, ela afirma que as famílias nem sempre conseguem ter desprendimento porque, diante da morte, esperam um milagre. "Mas
o maior milagre é dizer sim para doação dos órgãos. É um bem que passam para outra pessoa", diz.

A gerente do Núcleo de Segurança e enfermeira da Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante do Hospital Evangélico, Elizabeth Capelo Frois, resume a tarefa de abordar familiares de pessoas que morreram para sugerir a doação de órgãos como um trabalho de acolhimento e empatia. "Sabemos que é um momento muito difícil para a família. Nosso objetivo é transformar esse momento em esperança para outra pessoa", diz.

Um dos maiores desafios é o entendimento do protocolo de morte encefálica. "A circulação é mantida por aparelhos, então o corpo fica quente. Quando entendem o que realmente está acontecendo, a doação acaba sendo um bálsamo diante de tanta dor", acredita.

A importância da campanha, para ela, é lembrar as pessoas sobre a importância de ser doador de órgãos em vida. "Quando houve essa manifestação, é tranquilo, porque a família sempre respeita a vontade do familiar que se foi", diz.


Doações aumentam no Paraná

No período de janeiro a julho de 2017 o número de doações superou o desempenho registrado na mesma época do ano passado no Paraná. Conforme dados divulgados pela Central de Transplantes da Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Paraná, as doações saltaram de 196 para 288. O número de transplantados também subiu, de 352 para 484. Segundo a secretaria, a lista de espera por um transplante de órgão apresenta 1.677 pacientes cadastrados. O Estado realiza transplantes de rim, coração, fígado, rim e pâncreas, apenas pâncreas e córneas.

O índice de doações de órgãos vem aumentando progressivamente nos últimos anos também no Brasil. Segundo dados da ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos), houve um crescimento de 24% entre 2012 e 2016. Ainda assim, esse número está abaixo do índice observado em países que se destacam na doação. No entanto, a expectativa e trabalho da entidade são para que haja um crescimento continuado, em torno de 10% ao ano, nos próximos anos.

Segundo a associação, no Brasil, em 2016 a recusa familiar à doação de órgãos foi de 43%, considerados potenciais doadores. Muitas vezes, a negativa ocorre porque os familiares não sabem do interesse dos seus pais, filhos e cônjuges, por exemplo, em relação à doação de órgãos.