Trabalho inédito no diagnóstico do feminícidio no País classificou este tipo de crime em três categorias, identificáveis por meio de dados do setor de saúde. "Feminicídios no Brasil, uma proposta de análise com dados do setor de saúde" mostrou tipologias dos feminicídios, sendo eles o doméstico, reprodutivo, e sexual. O levantamento foi realizado por Jackeline Aparecida Ferreira Romio, doutora em demografia pela Unicamp e demorou cerca de seis anos para ser finalizado.

"A violência é um problema brasileiro e quando está relacionada à mulher acaba ficando invisível. Os indicadores mostram que o número de mortes de mulheres é menor em comparação ao dos homens, porém o padrão de como isso acontece é outro. Por isso, gera uma falsidade construída em cima de volume numérico. Outra preocupação com este trabalho foi mostrar a violência que costuma acontecer somente contra mulheres, além de crianças e idosos", explica ela, que defendeu a tese no programa de pós-graduação em demografia do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) da Unicamp.

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Homem de 23 anos é acusado de matar companheira com tiro e uma facada em Tamarana | Foto: Saulo Ohara



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O maior número de feminicídios domésticos encontrado pela pesquisadora foi na faixa de 15 a 49 anos, que coincide com a idade reprodutiva. De 2009 a 2014 foram mortas 5.598 mulheres nesta idade, do total de 7.707 feminicídios, o que representa mais de 70% de todos os casos domésticos registrados no período estudado. Quando a violência sexual é a causa da morte, o percentual de vítimas de 0 a 14 anos foi de 40% dos casos. Na tipificação do feminicídio reprodutivo, que engloba mortes por aborto, as fontes mostraram menor número de óbitos quando a intervenção é assistida com o auxílio do poder público.

Para o resultado, foram tabulados dados das fichas de notificação do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) e informações das declarações de óbito do SIM (Sistema de Informações de Mortalidade), da Secretaria de Vigilância em Saúde, e as atas de internações hospitalares do SIH (Sistema de Informações Hospitalares). "Existe uma deficiência dos dados da segurança pública em relação aos de saúde, que são mais acessíveis e menos tendenciosos. Também é uma forma de mostrar que a violência contra a mulher não é apenas um problema de segurança, mais um fenômeno epidemiológico", classificou.

De acordo com a verificação da especialista, no período de 2009 a 2014 foram mais de 2,7 mil assassinatos por violência provocados na própria casa da vítima, incluindo crianças e adolescentes. Em aproximadamente 40% dos casos, os autores eram familiares, cônjuges ou ex-cônjuges. "As mortes por violência sexual são praticadas quase que totalmente somente contra as mulheres. Isso é em todo o Brasil. A maior parte dos casos ainda é de mulheres negras ou indígenas e as regiões de fronteiras são um amplificador da violência sexual e doméstica", informou.

Romio acredita que a realidade do feminicídio vista atualmente no Brasil é uma "guerra contra as mulheres", que não estão protegidas pela área da segurança pública. Outra questão seria a dificuldade para registrar um boletim de ocorrências quando violentada. "Para melhorarmos o primeiro passo é a Justiça compreender as questões de gêneros. Posteriormente, é preciso uma desconstrução da política conservadora e restritiva e com mais mulheres na política. Além disso, é necessário mais igualdade entre homens e mulheres e a desromantização da morte das mulheres, que acontece por opressão e não por amor."

Entre os países latino-americanos, o Brasil foi o penúltimo a promulgar legislação punitiva aos feminicídios, o que aconteceu em 2015. Segundo a especialista em estudos da violência contra a mulher e desigualdades, casos como o que aconteceu em Tamarana, onde o ex-companheiro foi preso por matar uma jovem de 16 anos, são problemas de toda a sociedade. "Não é somente ela (vítima) que perde, mas toda a família, que é tratada de diversas formas pejorativas e machistas. Até os veículos de comunicação precisam se atentar, para preservar a memória da vítima", elencou. "Não precisávamos de tantas mortes de mulheres se algo já tivesse sido feito, com mais direitos e políticas públicas", lamenta.