Se a intenção do professor Antonio Donizeti Fernandes era sentir na pele o objeto do seu estudo, o sofrimento social, ele pode dizer que conseguiu. Com a ajuda de um ''gato'' (empreiteiro que arregimenta mão de obra), conseguiu uma pequena moradia, fez contrato de locação de seis meses, tentou se ambientar, enfrentou desconfiança mesmo ''abrindo o jogo'. ''Nunca escondi que era um professor, um pesquisador. Mas descobri que minha função não é sequer compreendida por eles''.
Quando saía para fazer as filmagens, ouvir moradores, gravar depoimentos dos pioneiros, foi confundido com jornalista, policial, sindicalista, traficante. Suportou a adversidade por dois meses. Foi quando um questionamento feito desde o início da jornada se tornou mais agressivo: ''O que senhor vai fazer com estas imagens?'' Foi quando Fernandes pensou na família e decidiu que já tinha material suficiente para o trabalho. Deixou a comunidade.
O professor suspeita que tenha sido vítima da pressão de traficantes. Segundo ele, o crack é cada vez mais usado pelos boias-frias paranaenses, um fenômeno que já virou caso de saúde pública no interior paulista. ''O crack dá a energia que eles precisam para cumprir suas próprias metas de produtividade. O hábito vira dependência. E, como em outras situações, o sistema de saúde não consegue atender estes dependentes químicos''.
O professor entende que a crescente mecanização nas lavouras de cana tem aumentado ainda mais a pressão por produtividade. De um certo modo, explica, eles sabem que a mecanização total é uma questão de tempo. Ele diz que ao tentar abordar o assunto, os trabalhadores resistiam. ''Eles preferem não fazer essa reflexão. Estão inseguros''. (L.F.M.)