Apucarana - A assistente administrativo Indianara Galhardo não tinha nenhum conhecimento sobre a hemofilia até seu filho Théo completar um ano de idade. Em uma visita de rotina ao pediatra, ela questionou sobre a presença de hematomas no corpo da criança que levavam muito tempo para desaparecer. O médico suspeitou de algum problema sanguíneo e pediu exames. A coleta de sangue foi feita no laboratório, às 8 horas, e ao meio-dia o sangramento provocado pela perfuração da agulha ainda não havia cessado. O braço do menino inchou muito e os pais procuraram um hospital em Apucarana (Centro-Norte), onde vive a família. O pediatra de plantão orientou a colocar gelo sobre o local para estancar o sangue, mas o procedimento não funcionou.

"Às 18 horas, o sangramento estava muito intenso. Saímos de Apucarana e passamos por dois hospitais em Arapongas (Região Metropolitana de Londrina) até chegar ao Hospital Evangélico, em Londrina, às 21 horas. Quando a médica viu o Théo, disse que ele ia perder o bracinho. Ele ficou sangrando um dia e uma noite inteiros, foi para a UTI. Só recebeu a transfusão por volta das 12 horas do dia seguinte e a partir dali foi que se começou a pensar em hemofilia", relembra Indianara.

O diagnóstico saiu em 17 de abril de 2013, coincidentemente, data em que é celebrado o Dia Internacional da Hemofilia. Théo é portador de hemofilia A grave. Segundo a mãe, o sangue dele tem apenas 0,8% das proteínas chamadas fatores de coagulação, cuja função é estancar sangramentos.

"A gente foi construindo tijolinho por tijolinho; hoje o Theo brinca, corre. A gente explica o que ele pode e o que não pode fazer", conta Indianara Galhardo, com o marido e o filho
"A gente foi construindo tijolinho por tijolinho; hoje o Theo brinca, corre. A gente explica o que ele pode e o que não pode fazer", conta Indianara Galhardo, com o marido e o filho | Foto: Arquivo pessoal



Com o diagnóstico, Indianara, o marido Talles e o pequeno Théo iniciaram uma jornada marcada pela dor e pela superação. "A gente quase perdeu o Théo e aprendeu sobre a doença no susto mesmo", conta a mãe. "Toda semana ele estava com sangramento no joelho, no braço, tivemos que ir para o Rio de Janeiro para cauterizar uma membrana do joelho para parar de sangrar. Tivemos bastante intercorrências com ele, que desenvolveu transtorno do pânico por medo de fazer o tratamento."

Nos primeiros dois anos, o tratamento foi feito em Londrina. Quando Théo estava com três anos, Indianara procurou o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná (Hemepar), em Curitiba, para obter uma segunda opinião sobre um procedimento. Em vez de ficar na capital por uma semana, como havia planejado, a equipe médica pediu que ficasse por três meses para que Théo pudesse receber atendimento da equipe multidisciplinar na unidade. "Acabamos ficando um ano em Curitiba", relata Indianara.

BOLHA
Além de todas as dores físicas e emocionais decorrentes da doença, Indianara ainda teve de lidar com a dor da separação da família e com o abandono da vida a qual estava acostumada, em Apucarana. "A nossa vida virou de ponta cabeça. A gente ficava no hospital toda semana. Quando decidi abandonar tudo para ficar em Curitiba, passei por uma grande crise no meu casamento. Vendemos todas as nossas coisas para nos instalar na capital. Meu marido não conseguia emprego. Eu trabalhava nos finais de semana em um café colonial e durante a semana trabalhava como diarista. Dependemos da ajuda de amigos para pagar a nossa luz, dependemos de cesta básica. Eu vendia roupas a brechós para comprar leite para o Théo. Quando tinha um tênis dele que estava pequeno, eu vendia ao brechó para conseguir dinheiro. Fiz o que era possível", relembra Indianara. "Foi muito choro, muita lágrima, mas também foi um período de muito aprendizado. Eu vi que se nós não aprendêssemos a lidar com a doença, o Théo não teria uma vida normal e eu não queria que meu filho fosse criado dentro de uma bolha."

De volta a Apucarana, a família comemora os avanços no tratamento. No Hemepar, os pais passaram por um treinamento para aprender a "pegar" a veia do Théo e ministrar em casa o hemoderivado que permite a coagulação sanguínea. O tratamento é caro, mas o governo estadual fornece gratuitamente todo o insumo necessário. As doses são aplicadas três vezes por semana.

Em 2017, Théo começou a frequentar a escola e os pais se alegram ao verem que tanto a direção quanto os professores e alunos "abraçaram a causa". "Todos estão aprendendo com o Théo. A gente foi construindo tijolinho por tijolinho. Hoje ele brinca, ele corre. A gente explica o que ele pode e o que não pode fazer."

Quatro anos após o diagnóstico de hemofilia, Indianara expressa um sentimento de gratidão pelo caminho percorrido até aqui e credita a Deus a força que sempre teve para prosseguir na luta contra a doença do filho. "Hoje, se eu tivesse opção de ter uma outra vida, um outro filho, eu não trocaria porque o que eu aprendi com o Théo e o que as pessoas têm aprendido com ele... Muitos hemofílicos entram em contato conosco para conseguir informações sobre a doença. Isso tem sido o nosso crescimento. A gente aprendeu a ser forte."

CAMINHADA
Para auxiliar e orientar outras pessoas que têm hemofílicos na família, Indianara criou a página "Ser Mãe de Hemofílico", no Facebook, e se prepara para tornar-se representante, no Norte do Paraná, da Associação Paranaense dos Hemofílicos (APH). E neste sábado (22), às 10 horas, ela organiza a 1ª Caminhada de Hemofilia, que terá início na Praça Rui Barbosa, no centro de Apucarana. A iniciativa conta com o apoio da Federação Brasileira de Hemofilia, Hemepar e Prefeitura de Apucarana. Além de celebrar os avanços no tratamento da hemofilia e informar a população sobre a doença, a caminhada também marca o Dia Internacional da Hemofilia, comemorado em 17 de abril.

Doença afeta um a cada 20 mil meninos
A hemofilia acomete um a cada 20 mil meninos, sendo uma doença raríssima em mulheres. A doença é congênita e hereditária e pode ser do tipo A, quando há deficiência no fator 8 de coagulação, ou do tipo B, quando a deficiência é observada no fator 9 de coagulação. Fator de coagulação é a proteína responsável pela coagulação sanguínea. Nos dois tipos, a patologia pode se apresentar em três níveis de intensidade, leve, moderada e grave, sendo as hemofilias moderadas e graves os casos mais sérios da doença que determinam a necessidade de reposição do fator deficiente.

"A transmissão da hemofilia é feita pelo cromossomo sexual, que é o X. Os homens são XY, então um único cromossomo afetado vai ocasionar a hemofilia. A mulher é XX, um único X afetado não vai causar a doença por isso são raríssimos os casos de mulheres hemofílicas", explicou o médico hematologista e hemoterapeuta e coordenador do Hemocentro do Hospital Universitário em Londrina, Fausto Celso Trigo.

A doença se manifesta logo no início da vida, mas geralmente os sintomas começam a ser percebidos pelos pais quando a criança começa a engatinhar, fazendo pressão sobre as articulações dos joelhos e cotovelos, gerando as hermatroses, que são sangramentos nas articulações, causando inchaço e dor. Hematomas gigantes na área onde ocorreram os traumas também são comuns, segundo o médico.

Não há cura para a hemofilia e os casos moderados e graves são tratados com a reposição de hemoderivados, que são os fatores de coagulação liofilizados produzidos pela indústria a partir de plasma humano. (S.S.)