Uma coletânea de textos científicos sobre a vida de meninos e meninas que moram entre duas nações está no livro "Crianças em Fronteiras", organizado pela professora Verônica Regina Müller, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM (Universidade Estadual de Maringá) e coordenadora do Programa Multidisciplinar de Estudo, Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente (PCA). O título reúne artigos científicos de pesquisadores da área da educação sobre crianças em zonas de divisão entre nações.

Algumas das fronteiras citadas nos textos são entre países como Brasil, Paraguai, Argentina, Bolívia, Chile, Espanha, França, Senegal e Gâmbia. "A ideia surgiu nos meus anos de estudo sobre a defesa de crianças e adolescentes. Sempre vi a necessidade de conhecer as crianças, que são os sujeitos mais vulneráveis na cadeia humana e não podem se defender no mundo adultocêntrico em que vivemos", analisa.

Segundo Müller, as crianças destes territórios fronteiriços estão em movimento, se deslocando entre, pelo menos, dois lugares. "Elas acabam não sendo de lugar nenhum, ficando de fora das políticas públicas, que são feitas para a média da população e para situações estáticas", afirma a professora da UEM.

"Elas acabam não sendo de lugar nenhum, ficando de fora das políticas públicas, que são feitas para a média da população e para situações estáticas", afirma Verônica Regina Müller
"Elas acabam não sendo de lugar nenhum, ficando de fora das políticas públicas, que são feitas para a média da população e para situações estáticas", afirma Verônica Regina Müller | Foto: Divulgação/UEM



Os autores dos textos chamam a atenção, por exemplo, para diferenças culturais, dificuldades linguísticas e até mesmo os diferentes medos das crianças na tríplice fronteira com o Paraná. "Na fronteira com o Chile, há observações sobre como as crianças convivem com o estrangeiro e qual a noção que têm sobre 'próprio'", explica.

O relato de um educador social espanhol que morava na fronteira com a França e estudou em escola francesa chamou atenção para a diferença entre direitos. "Os colegas da escola tinham determinados direitos que ele não tinha, pois as leis na Espanha eram diferentes. Só que o 'outro país' estava a poucos metros", pontua.

Para Müller, essas experiências de vida são invisíveis às políticas públicas, que não consideram as especificidades de viver entre duas nações. "Mas essas crianças existem e são muitas", lembra, destacando que a coletânea considerou também o conceito de fronteira conceitual que limita o entendimento sobre o que se entende das crianças. "Não são adultos em miniatura, são seres sociais com o o mesmo status de outras pessoas", diz.

Para ela, apesar de as leis protegerem as crianças, ainda falta muito em termos de efetivação de políticas públicas. "O trabalho infantil existe e a pedofilia não é controlada. Há conselhos de defesa dos direitos em todas as cidades mas as crianças não têm voz lá dentro", critica, reforçando que "as crianças têm inteligência e sua própria cultura, são diferentes do ser adolescente, do ser adulto e do ser idoso."

COLETÂNEA
"Crianças em Fronteiras" é o terceiro de uma série de quatro livros sobre crianças. A primeira publicação é "Crianças dos Países de Língua Portuguesa: histórias, culturas e direitos", lançada há quatro anos pela Editora da UEM (Eduem). O segundo livro é Crianças na América Latina: histórias, culturas e direitos, publicado pela CRV, a mesma editora do lançamento. Já o próximo livro, segundo a escritora, tratará de crianças em itinerância, com foco nos meninos e meninas que não são fixos em um território e, por isso, estão fora da abrangência das políticas públicas. É o caso de refugiados, indígenas nômades, crianças que fazem tratamento de saúde prolongado em outras cidades e até mesmo aquelas que vivem no circo.