"Já fui homenageado em Curitiba, aqui em Londrina, mas essa homenagem é a mais dignificante porque foi feita por crianças", disse Oscar Nascimento
"Já fui homenageado em Curitiba, aqui em Londrina, mas essa homenagem é a mais dignificante porque foi feita por crianças", disse Oscar Nascimento | Foto: Fotos: Gina Mardones



Quando a creche do Jardim Pindorama (zona leste de Londrina) foi municipalizada, em 2012, e tornou-se Centro Municipal de Educação Infantil Abdias do Nascimento, a esposa do homenageado, Elisa Larkin Nascimento, participou da solenidade e pediu à direção e aos funcionários da instituição que assumissem o compromisso de trabalhar a questão racial em sala de aula, com os alunos. Abdias do Nascimento foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras. Viveu no Rio de Janeiro e faleceu em maio de 2011, aos 97 anos.

O compromisso foi assumido e, desde então, todos os anos a escola elege uma figura de destaque cuja trajetória de vida sirva de inspiração e ponto de partida para as discussões sobre a questão racial, o preconceito, a discriminação e a igualdade. O primeiro homenageado foi o próprio Abdias do Nascimento, depois vieram o artista plástico sergipano Arthur Bispo do Rosário, o fotógrafo baiano que por muitos anos viveu em Londrina Walter Ney e a escritora mineira Carolina Maria de Jesus. Neste ano, o objeto de estudo foi o advogado, economista, um dos primeiros militantes pelos direitos dos negros e antigo ativista do Movimento Social Negro em Londrina Oscar do Nascimento.

Ao longo do ano as 92 crianças do CMEI aprenderam sobre a vida e a luta contra a discriminação racial travada por Nascimento. E para marcar a Semana Cultural, alunos e professores organizaram uma exposição que retrata cada trecho da vida do homenageado, desde o nascimento, em 25 de dezembro de 1929, em Coroados (SP), passando pela chegada a Londrina e pelo esforço dos pais, semianalfabetos, para que todos os filhos vencessem na vida por meio dos estudos.

Aberta nesta segunda-feira (20), data em que se comemora no Brasil o Dia da Consciência Negra, a exposição mostra a importância da atuação da família de Nascimento na colonização do município, por meio do trabalho na lavoura, apresenta uma réplica da casa onde viveu, na Vila Casoni, a miniatura de algumas edificações do bairro, um dos mais antigos da cidade, e relembra a Arol (Associação de Recreação Operária da Londrina), da qual o advogado foi um dos fundadores. A associação, que neste ano completou 60 anos, tornou-se um local de resistência e luta contra o preconceito racial e é considerada por Nascimento um marco no movimento negro de Londrina.

A exposição mostra a atuação da família de Nascimento na colonização do município e apresenta miniaturas de edificações da Vila Casoni, onde ele morou
A exposição mostra a atuação da família de Nascimento na colonização do município e apresenta miniaturas de edificações da Vila Casoni, onde ele morou



"Já fui homenageado na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Curitiba, aqui em Londrina, mas essa homenagem é a mais dignificante porque foi feita por crianças", disse Nascimento, emocionado. "Com essa homenagem eu volto a viver a vida inicial, as dificuldades, os sacrifícios. Meus pais, apesar de semianalfabetos, procuravam fazer com que a gente estudasse. Eram pessoas simples, pobres, mas passaram para a gente que deveríamos sempre lutar, estudar. Eles também lutavam muito contra o preconceito, que na época era mais forte, e incentivaram a gente a lutar contra isso. Sabiam que a vida não era fácil e ia depender muito da gente lutar", recordou Nascimento.

Diretora do CMEI, Simone Cristina de Farias Cavalin disse que, além de reforçar a história de vida e de luta do "doutor Oscar", o trabalho em sala de aula sempre procurou frisar que a educação é que faz a diferença na vida das pessoas. "As crianças não têm preconceito. Então não tem como falar sobre preconceito com elas, isso vem com os adultos. A gente fala da diversidade, fala das conquistas."

Perto de completar 88 anos de idade, o advogado afirma que a luta não para. "O negro foi colocado em liberdade sem nenhuma condição de vida, não sabia o que era liberdade. Retiraram o negro da casa grande e da senzala e jogaram no quilombo e por isso o negro ainda luta com dificuldade. No Brasil, 54% da população é negra e a violência contra o negro atinge os 71%. Então nós vemos que o negro ainda tem muito o que lutar", declarou Nascimento. "Nós ainda estamos lutando a luta que teve o Zumbi dos Palmares, o Abdias do Nascimento. Se 54% da população brasileira é negra, temos que conscientizar o povo brasileiro de que o negro também faz parte do desenvolvimento. (O Dia da Consciência Negra) É uma questão de brasilidade, de patriotismo. Temos que lutar pelo negro porque somos brasileiros", defendeu.