Após desenvolver o maior programa de acolhimento familiar para crianças em situação de vulnerabilidade da América Latina, o município de Cascavel (Oeste) começa a se tornar referência para a implementação de programas similares em outros municípios do País. A realização do I Congresso Internacional de Acolhimento Familiar no município, no início de abril, reuniu mais de 500 participantes de todo o Brasil e também da Inglaterra e do Canadá.

De acordo com o juiz auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça do Paraná, Sérgio Luiz Kreuz, que já atuou na comarca de Cascavel e foi um dos organizadores do congresso, o interesse pelo evento indica que a rede de proteção está cada vez mais motivada para encontrar alternativas ao acolhimento institucional. "É cruel colocar uma criança que já foi afastada dos pais em um lugar onde não há atendimento individualizado com carinho, afeto e aconchego", opina.

O congresso resultou na redação da "Carta de Cascavel para o Desenvolvimento dos Programas de Acolhimento Familiar no Brasil", que foi enviada a entidades envolvidas com o tema em âmbito municipal, estadual e federal. Uma das determinações é sugerir ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e aos conselhos estaduais de direitos das crianças e adolescentes a inclusão, em seus programas, de incentivos à implantação de políticas públicas que garantam a preferência ao acolhimento familiar sobre o acolhimento institucional, inclusive com destinação de financiamento público.

EXPERIÊNCIA CANADENSE
Kreuz destacou que o contato com experiências de acolhimento na Inglaterra e no Canadá mostrou que Cascavel "está no caminho certo". Para ele, quando uma criança não pode ficar na própria família por causa de abusos, dependência química dos responsáveis, exposição à violência e outras vulnerabilidades, a solução é colocá-la em uma outra família que vá respeitar suas individualidades. "O futuro é esse", defende.

Um dos debates que mais chamou a atenção do juiz foi a exposição sobre a experiência canadense de acolhimento de indígenas. "Essa questão tem particularidades, pois tirar uma criança da aldeia traz risco de que ela perca tradições culturais, alimentares e da língua, o que provoca prejuízos até para a eventual reintegração à comunidade", considera. Ele lembra que o Brasil também tem essa necessidade, diante do número de aldeias indígenas. "É uma situação sobre a qual não tínhamos pensado", reflete.

O promotor de justiça Luciano Machado de Souza, de Cascavel, avaliou que o evento permitiu avaliar também a própria situação da comarca, que tem sido referência nacional em adoção. "Na Inglaterra, por exemplo, as equipes trabalham apenas com assistentes sociais, enquanto aqui nós temos também os psicólogos", compara.

Outra diferença é que os programas são desenvolvidos por ONGs na Inglaterra, ao contrário do modelo de Cascavel, que é todo financiado pelo governo municipal, apesar da possibilidade de contar com apoio de outras instituições.

Ao final do evento, uma das conclusões é que o modelo de acolhimento tem que ser completo. "Preferencialmente a criança tem que ser cuidada pela família, mas se não for possível, a segunda opção é a família adotiva. Em casos onde isso não é viável, uma possibilidade é a família acolhedora, o que não elimina as instituições de acolhimento, como é mais comum no Brasil", relata.

O promotor espera que o evento tenha contribuído para incentivar o desenvolvimento do modelo no Brasil. "Não temos como obrigar as pessoas a acolherem crianças, mas quem se dispõe a fazer isso tem que ser comprometido. Também defendemos que o poder público precisa oferecer subsídios para a família acolhedora alimentar, vestir e cobrir outras despesas da criança", pondera.

Para o juiz Sérgio Kreuz, o evento só reforçou a necessidade de debater o tema. "Temos recebido muitas notícias de municípios que estão tentando estruturar programas de acolhimento e, no Paraná, a Corregedoria de Justiça está empenhada em reduzir o número de acolhidos em instituições", afirma.